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Caminho de Santiago da Geira e dos Arrieiros (7ª Etapa Berán - Feás)

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Author

Trail stats

Distance
11.93 mi
Elevation gain
2,247 ft
Technical difficulty
Moderate
Elevation loss
1,437 ft
Max elevation
1,849 ft
TrailRank 
53
Min elevation
311 ft
Trail type
One Way
Moving time
4 hours 57 minutes
Time
7 hours 15 minutes
Coordinates
3435
Uploaded
May 21, 2023
Recorded
May 2023
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near Berán, Galicia (España)

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Itinerary description

Quando descemos o pequeno degrau que separa a sala de refeições da Casa Lucita da OU-307, a sensação de viajar no tempo invadiu-nos o espírito. Foi o “regresso ao presente" sem que necessário fosse um DeLorean: regressamos por próprio pé. Ontem entrámos; tínhamos marcado estadia; fomos recebidos com incomum simpatia pelo par de hospedeiros que deduzimos ser a “Lucita" e o irmão;  perguntámos se ainda alguma coisa havia para almoçar; tivemos resposta pronta: «Claro!»; José convidou-nos a provar o “Ribeiro” da sua lavra, «Ao almoço» dissemos, mas não, teve que ser logo; meio copo de um branco muito bom, saboreado em pequenos goles porque mais não permitia a barriga vazia; meia hora passada e comemos um bife enorme em tamanho e delicioso em sabor, acompanhado por batatas fritas à moda antiga e salada de tomate coração de boi, alface e pimentos vermelhos assados. Então sim: bebemos com prazer um jarro de vinho tinto que José fez questão de nos trazer à mesa. Depois de almoço subimos, seguindo “Lucita" (que agora sabemos não ter esse nome) e…, por magia, entrámos num tempo que o nosso não era. Tudo ali estava fora de validade, parado no tempo, na manutenção e no odor. Não haviam antiguidades, tudo eram velharias. Um alto degrau a meio do corredor coberto com passadeira de linóleo, pôs-nos de sobreaviso para a possibilidade de um inadvertido trambolhão. A casa de banho, que nos tinha sido anunciada como privada, era-o porque mais hóspedes não havia. No pátio lavámos a roupa em tanque de cimento sem torneira, substituída que foi por mangueira longa; o sabão?... estava arrecadado no velho carro parado debaixo do telheiro, era escuro e estava seco mas serviu para lavar a roupa.
Agora, no presente, recordando a agradável simpatia, os maravilhosos sabores, o desconforto da antiguidade, seguimos estrada além saboreando a frescura e os odores desta belíssima manhã que clareia já há algum tempo.
Num cruzamento, perto da lacrimejante fonte onde as pétalas das flores da roseira, que trepa casa acima, mais gotejam que a própria bica, conversando estão algumas pessoas. Saudamos e logo nos vemos ajuntados à conversa alterando o tema, pois ainda tantos peregrinos não passam para que a banalidade oculte a nossa passagem. Um ou dois minutos não mais demorámos, despedimo-nos e recebemos a indicação do caminho a seguir. Subimos pelo Camiño Real empedrado de grandes graníticos blocos e ladeado de casas e muros liticamente semelhantes mas com a antiga idade que este chão novo não tem. Sinto que este seria caminho de Arrieiros. Recorro aos meus ficheiros para reler um pdf que sobre o “Camiño Real" fala. Diz assim: «Gran parte do Camiño da Geira Romana e dos Arrieiros coincide co chamado antigamente Camiño Real, que dende Compostela pasando por Pontevea, A Estrada, Consolación, Codeseda, A Mámoa, Cachafeiro, Soutelo de Montes, se internaba en terras da provincia de Ourense para dirixirse principalmente cara Ribadavia, Ourense e Castela.» Se por este caminho, agora empedrado, passava o “Camiño Real" dirigindo-se a Ribadavia, razão terá decerto Abdón Fernández, mentor do projeto do Caminho da Geira e dos Arrieiros e porta-voz da “Plataforma Berán no Camiño", quando defende a historicidade da passagem de peregrinos de Santiago por esta terra por onde, carregados de barricas e odres de vinho, seguiam os arrieiros, muitos com igual destino ao dos que a Santiago rumavam.
Belas e antigas casas existem por aqui. Disse-me um amigo, que este caminho percorreu, que Abdón nesta rua habita. Será alguma destas?... “Os Arcos", “El Pedregal" ou esta com um belo brasão?... As grandes e antigas casas de granito continuam a ladear a fresca e estreita rua. As sólidas construções mostram grandes varandas de pedra e guardas de ferro forjado. Em todas há vazos floridos. De algumas paredes saem “espigões” graníticos e até esses suportam vazos com flores. Este fresco ambiente alegra o espírito e transforma a dureza da peregrinação em alegre deambular de primaveril passeio. Agora, para lá do muro que, à sinistra, nos ladeia, estende-se um viçoso vinhedo, esteado por esteios de granito, recordando que na zona de O Ribeiro continuamos.
O “camiño" trouxe-nos por Moredo e Cotofrio desviando-nos um pouco de Berán de Arriba mas trazendo-nos por belas paisagens até este lugar de TrasOuteiro onde se encontra uma nova mas já icónica peça do Caminho da Geira e dos Arrieiros. É uma pequena e bela escultura, da autoria de Abdón Fernández Torres, que, aqui à sombra deste grande e velho carvalho, sinaliza a distância de 100 Kms até à Catedral de Santiago. Foi oferecida e aqui, junto da Capela de San Roque, colocada pelo autor. Passamos junto do velho cruzeiro que o tempo desgastou e pouco se vê da imagem que na cruz foi moldada. Já é tarde para matinas mas uma pequena prece nasce no meu íntimo de gratitude pelos mais de 140 Kms já andados e sigo atrás da minha companheira para onde nos aponta a sinalização do Caminho que por aqui não falta.
Desce o caminho, enfeitado de fetos e dedaleiras, por baixo de carvalhos, ladeando vinhas à direita e protegido por antigo muro de pedra à esquerda. O chão macio acaricia-nos as botas e o chilreio dos pássaros a alma. Agora misturam-se carvalhos e pinheiros e a mata por onde nos adentramos adensa-se à nossa volta. O GPS avisa-nos ruidosamente que é errado o caminho que seguimos. Causa-me espanto porque temos vindo a seguir as marcações. Volto ao ponto onde deveria ter desviado. É aqui junto deste regato. Sigo um carreirito de pé posto mas ainda não andei 50 metros e já decidi seguir as marcações e desistir do caminho que o GPS me indicava. A vegetação tomou conta do apertado carreirito e muito difícil, se não impossível, seria vencer o emaranhado de mato e silvas que por ali abaixo se avista.
Depois da decisão lá atrás tomada e termos voltado ao sinalizado caminho, já atravessámos uma pedreira e entramos agora no asfalto da OU-0306 que nos há de levar a Lebosende. Se transitável fosse o caminho lá atrás, mais agradável do que este seria com certeza. Olho uma placa de madeira neste cruzamento colocada. Diz “Sendeiro da Pena Corneira". Olho para o GPS enquanto seguimos estrada abaixo. — Espera, Alice. Olha para aqui. Lebosende fica lá em baixo. Se seguirmos por este caminho atalhamos e não temos que descer para depois voltar a subir. O que achas?... — espero enquanto avalia a situação. —  Se tu achas que dá, vamos lá. — diz. Voltámos atrás e cá vamos à aventura, seguindo na direção do Sendeiro da Pena Corneira. Tantas vezes tinham os peregrinos de outrora que tomar decisões deste tipo e não tinham GPS, quanto muito um tosco mapa feito na mesa da taberna com as indicações que lhes eram dadas por outros viandantes, romeiros, peregrinos ou arrieiros. Sigo sem receio apoiado na imagem onde uma setinha azul vai evoluindo acompanhando o nosso caminhar e vou meditando no que, culturalmente, possa ter perdido evitando a baixada a Lebosende. Estamos em terras de vinho e Lebosende sempre dele dependeu. A população tem vindo a diminuir, sendo em 2020 de apenas 79 pessoas. Pelos meus apontamentos a Igreja de São Miguel, com origem no século XII e seu portal românico, seria o único ponto de referência da povoação. Fica a nota para uma futura visita à região. A Pena (ou Peña) Corneira é considerada de grande interesse entre a comunidade caminheira mas não iremos passar pelo “sendeiro" e é apenas uma curiosa referência neste caminho asfaltado, estreito e sem trânsito por onde seguimos. A paisagem é esplendorosa. As vinhas desenham nas encostas e no vale, até onde a vista alcança, padrões geométricos riscados de verde e castanho. A extensão florestal que se avista, seguindo os abundantes regatos ou manchando de verde escuro os montes, é em grande parte de espécies autótones. E os nossos olhos vão deambulando felizes por montes, vales, encostas, geometria e decisões tomadas.
Aqui está!... como esperava encontramo-nos de novo com o caminho sinalizado, o “Caminho Oficial”. De novo as setas amarelas são o nosso guia. Entramos num caminho de terra, sombreado por carvalhos e pinheiros que permite que lado a lado caminhemos. Um muro coberto de musgo e as velhas ruínas de uma pequena casa testemunham a ancestralidade deste caminho que, imagino eu, ligaria Lebosende a Pazos de Arenteiro contornando o Outeiro de Lebosende. Caminhando solitariamente juntos, dentro da floresta e sem horizontes que nos distraiam, cá vamos conversando descontraídos trilhando caminhos com histórias de vino, mulas e Arrieiros.
Descemos agora para o vale do Avia. Deixámos o caminho de terra e entramos na OU-O414 na Volta do Valfrio. Em sentido contrário vem um domingueiro caminhante apressado mas que, solícito, à nossa saudação decidiu parar para nos dar informação não solicitada mas agradecida. Depois de uma cordial saudação, diz-nos em galego puro: — segue a estrada.  Atoparás dous arcos que cruzan o río.  O primeiro é moi vello, non o pases.  pasarás por riba do segundo arco. — agradecemos e vamos pensando que a escrita será sempre imperfeita porque não permite registar o sotaque nem as singularidades da voz de quem connosco fala. Por mais que tentasse descrever tais singularidades, necessário seria que houvesse um padrão de correspondência entre quem escreveu e quem lê o que escrito foi, para que perfeita fosse a comunicação, o que, para mim, parece impossível. Vejamos: se eu disser que a voz me soou aflautada, a que tipo de flauta me refiro?... a uma flauta de cana?... a uma flauta de pan?... a uma flauta transversal?...
Sorridentes, sem mofar, comentando a simpatia, solicitude e singularidades do sotaque e voz daquele amigável caminhante, cá vamos estrada abaixo. O primeiro arco está mesmo aqui, a escassos metros da confluência dos rios Arenteiro e Avia, e chama-se “Ponte da Cruz". A monumentalidade deste “arco" é tanta quanto a ruína que apresenta. Desta ponte, construída no último quartel do século XVIII, que era de quatro arcos, apenas um arco teimosamente se mantém aqui de pé. Diz o painel informativo que foram “os propios veciños de Lebosende os promotores desta obra". Pela via que a cruzava se escoaria o vinho Ribeiro para as grandes cidades e portos do nordeste galego e se facilitava a travessia aos peregrinos que a Santiago rumavam. Por aqui passaram gentes, bestas e carroças. Carregando, uns o fruto das vinhas procurando mercados, outros o sacrifício, na esperança do milagre que suas dores aliviasse ou na gratidão por aquele já acontecido. Não passamos nós, ainda que vontade de o fazer não falte, para que o dano que a ponte tem, maior se não torne. Também se diz que a não passaram as tropas de Napoleão na batalha que travaram em 2 de março de 1809 porque os “veciños de aqui" a destruíram antes, atrasando o seu avanço. Engraçado é que no mesmo painel lê-se «José Pérez Machado, fixo os planos e presentou os pregos de condicións para a construción desta ponte cara 1783» e, ao lado «Outras teorías din que caeu debido aos efectos do gran terramoto de Lisboa de 1755». E pronto, ficamos a saber que é possível que esta ponte tenha caído antes de ter sido construída. E, com esta possibilidade na ideia, cá vamos com a esperança de que, atravessando este lugar de tempos que regridem no tempo, cheguemos ao nosso destino antes de termos partido. Afastando-nos da Ponte da Cruz recordo a heroína que o povo aqui venera. Chamava-se Hipólita Cervela, mais conhecida por “a Toca", cuidava de uma senhora enferma quando os soldados de Napoleão entraram casa adentro. Hipólita, corajosa, enfrenta os soldados e, na refrega, perde uma mão. Não se sabe se a voltou a encontrar e também não me foi contado o que aconteceu aos soldados franceses mas, se “a Toca" só perdeu a mão, os soldados são capazes de ter perdido muito mais. Gosto mesmo destas lendas incompletas que nos dão espaço à imaginação.
Chegamos ao segundo “arco” anunciado que temos que atravessar. É a ponte no Igrexario sobre as calmas águas do Avia. São 10:40h e o Café da Ponte está aqui mesmo a jeito para a pausa do segundo pequeno almoço da manhã.
Entramos em Pazos de Arenteiro cujo centro urbano foi declarado «conxunto histórico em 1973, tendo no seu haber un gran número de construcións pacegas». O topónimo parece mesmo ter origem na quantidade de “pazos o casonas señorials" que existem à beira do rio que aqui conflui com o Avia. A primeira referência conhecida a esta povoação «aparece en 1158 no testamento ou carta de doazón dada pola abade Pelagio Gonçálvez ao seu mosteiro de San Clodio». Interessante é que neste documento a aldeia aparece com o nome de “Palacios de Argentario". Busquei a razão e o que encontrei refere as areias do rio, em tempos idos, muito ricas em prata, “argentum” em latim. Motivo provável para a deslocação de garimpeiros, que por aqui se fixaram e ao rio chamaram Argentário. Satisfeito me dou com esta dedução e passo a prestar mais atenção ao sítio por onde, subindo, nos adentramos. Calcetada de “paralelos” com uma fita central de lajes de granito, a rua estreita está ladeada de antigos edifícios. Porque desconheço a localização e guia não temos, tento identificar: o barroco “pazo dos Cervela" com gárgulas na cornija do telhado, diz-se que a importância (ou os pecados) desta família era tanta (ou tantos) que um dos seus membros teve 86 padres na missa do funeral; a grande varanda com gradeamento em ferro do “pazo da Doña Elisa"; a garça no escudo do “pazo dos García-Espinosa"; a “casa dos Penedo-Troncoso" que tiveram na família um inquisidor de Santiago; as três chaminés do “pazo de Arriba” que quatro não pôde ter para com o paço real não competir e de quem se diz ser tal a riqueza que até “as cojines" eram bordadas a ouro (não consegui saber se eram as almofadas onde pousavam a cabeça ou os glúteos do traseiro); as “lousas" no escudo do “pazo dos Lousadas"; o “Palenque" que na origem era um espaço fechado onde a tortura ordenada pela “santa" inquisição constituía-se como espetáculo (perdoa-lhes Pai que bem sabiam o que faziam!); a “Casa do Médico”; … … desisto!... vou aqui de cabeça no ar, já me doi o pescoço e pouco foi o que consegui identificar.
Uma questão me invadiu o espírito desde que comecei a ler sobre Pazos de Arenteiro: por que razão se instalaram aqui tantas famílias da fidalguia galega?... — só uma podia ser: o vinho Ribeiro. Vamos lá ao início: Os garimpeiros, que criaram a povoação, de nobreza só tinham a de alma e não consta que tenham comprado os “títulos”, se por aqui ficaram depois que a prata se esgotou no rio Argentário devem ter-se dedicado àquilo que por aqui nascia, o cultivo da vinha. No século XII Pazos de Arenteiro, ou Palacios de Argentario (?), era Comenda da Ordem do Santo Sepulcro. No século XV, num processo bastante dúbio, o papa Inocêncio VIII extinguiu a Ordem do Santo Sepulcro passando os seus bens e propriedades para a Ordem de São João de Jerusalém. A Comenda de Pazos de Arenteiro é dada aos Hospitalários que tinham a sede da sua Comenda em Santa Maria de Beade. A Ordem de Malta passa a controlar a partir daqui o comércio do vinho Ribeiro e é então que a nobreza se instala à volta (estamos tão admirados, não estamos?... tão pouco sabemos porquê).
Com este herege pensar, de que só parte aqui revelei, vejo-nos a chegar à “Igrexa de San Salvador”. Este templo data do século XII e naturalmente que construído foi no estilo da época: o românico, ainda que com pormenores góticos acrescentados posteriormente. Subo o escadório com degraus puídos pelo tempo e por milhares de pés que os subiram e desceram. O portal, que já vejo daqui, tem duas arquivoltas com pilares monolíticos encimados por capiteis esculpidos com motivos vegetais, à exceção de um que apresenta duas pombas. A porta aberta é o melhor convite que me podiam fazer neste momento. Preciso de me recolher e rezar e vou fazê-lo já já… … meu Deus!... que me aconteceu?!... perdão. Estou chocado até ao fundo do meu coração. Dirijo-me para a Alice, que tinha retardado a entrada na igreja, e conto-lhe o que aconteceu e que ainda estou com dificuldade de assimilar: Tirei o chapéu da cabeça e, de mochila às costas e bastões numa mão, entrei na igreja. É domingo. A igreja estava cheia. Os bancos e os crentes neles sentados estão de costas para a porta por onde entrei em silêncio. Acontecia a homilia. O padre vê-me entrar e diz-me, enfurecido — Saiii!!!... — viram-se para trás todos os que nos bancos sentados estavam, e eu, atónito e envergonhado sem que para tal haja razão, saio apressado.
Tento esquecer porque compreender não consigo. Abandono este extraordinário monumento descendo triste e macambúzio as escadas que há pouco entusiasmado subi. A Alice dá-me a mão e é este aconchegado carinho que sossega o meu espírito. Recordo-me que a oração ficou na intenção. Volto os olhos ao Céu e oro no meu íntimo.
A igreja do Divino Salvador tem muito para ver e história para contar. Eu fico com esta história e não vou descrever o que não vi, ainda que nos meus apontamentos fique incólume tudo o que queria ver depois de esvaziar o coração num momento de meditação e humilde despejo de alma, naquele histórico templo. Tento afastar o momento do meu pensamento para mais não pecar. Vamos lá!...
Cá vamos ladeira acima num caminho que só gente ou animais pisam porque a estreiteza máquinas não permite. O chão cimentado é ladeado à direita por um velho muro que sustém vinhas e mais vinhas. À esquerda a encosta, coberta também de cepas verdejando, desce até ao rio. Estende-se o meu olhar para um e outro lado no brando verde, tentando serenar o espírito, esquecer e deixar para trás o que para trás ficou. Uma roseira de vivo vermelho pintou as rosas. Pendendo sobre o caminho, dá cor ao cinza escuro que me descora a alma, e ilumina o verde da esperança desta serena paisagem.
Atravessamos A Vila. As estreitas e asseadas ruas mostram, nas pedras das casas, a antiguidade da sua origem. Várias são as “bodegas medievales" que por aqui há mas mais interessantes serão para eno-turistas peregrinos. Não esqueço também que hoje é domingo (de má memória) e, por isso, encerradas estarão. Apreciando a beleza das floridas varandas e a tipicidade do património arquitetónico vamos continuando peregrinando na devoção e no conhecimento.
A Vila ficou para trás, passámos o Requeixo e vamos agora pela beirinha da OU-0462 aproximando-nos de Salón e daquilo que alguns peregrinos apelidaram de “a parede", tal é a inclinação da subida que temos pela frente. Cortamos à direita deixando a estrada e penetrando na povoação que se estende pela encosta acima. Entre muros de pedra, que o tempo cobriu de musgo, e ruínas de velhas casas que o tempo devorou, vamos já ofegantes pela ladeira trepando. Ali, por baixo de uma casa de pedra com janelas de vidros partidos, à sombra colocada, está uma cadeira de plástico aguardando por quem nela se senta nas quentes tardes de verão. Por cima, o sobrado apodrecido conta histórias de abandono e desertificação. Ao lado, está uma grande cruz de madeira pregada na parede para afastar o “mau olhado". O “mau olhado” que afeta e afasta as gentes esquecidas das aldeias do interior aqui como no nosso país.
Passamos junto à capela de Santa Lucía. A porta está aberta mas o sofrido episódio da Igreja de San Salvador tira-nos a vontade de subir e nela entrar. Olhamos a velha espadana de dois corpos com “campana" no de baixo e uma janela para o céu no de cima. Passa o nosso olhar até ao infinito através daquele portal celeste. Regressamos cá abaixo. O corpo da capela é novo e construído em perpianhos com alguns motivos decorativos talhados. Gostaria de saber a razão por que foi colocada a espadana tão antiga sobre o novo corpo do templo, mas a aldeia está deserta sem quem quer que seja que elucidar me possa. Continuamos ladeira acima. Passamos uma ou duas vivendas vivas e agora entro nas ruínas de uma velha casa. Entre o emaranhado de telhas, traves e ripas podres, incrustado na parede em frente, está um antigo forno de pedra. Acho que tenho nos meus apontamentos algo sobre este velho forno. Procuro… cá está:«… o Forno da Seara, con todas as partes que o compoñen en bo estado, a capela, a parroeira, o tendal ou lareira, a borraleira etc. Unha mágoa que a edificación en si estea en ruínas e sen tellado». Tudo continua em modo abandono. Mais à frente, o lintel da porta do que foi lar de alguém mostra duas estrelas de David na pedra esculpidas deixando clara a origem de quem ali viveu.
Quase sem fôlego, seguimos por belos, estreitos e duros caminhos que ligaram povos quando os pés ou as bestas eram o meio de transporte e outros não havia. As vinhas ficaram para trás. Saímos da aldeia sempre a subir. Na encosta dos “Carballiños", a uns 50 metros acima, fora do caminho, em terreno baldio, está um “Peto de Ánimas". Porque estará ali aquele pequeno e singular monumento?... Subo até lá “capinando". O estado da pedra mostra ser muito antigo, no entanto nota-se que há ainda quem o cuide e lhe seja devoto. Por detrás da bonita grade de ferro forjado está a imagem de Santa Lucía (Santa Luzia), a quem chamam “a Santa dos Olhos” porque, no martírio, lhos arrancaram e milagrosamente lhe foram restituídos. Não são “alminhas” das que apelam à oração ou sacrifício pelas “almas do purgatório”. Este é um humilde templo construído por devoção, promessa ou gratidão sem caixa de esmolas. Afasto-me mas continuo a questionar-me sobre a razão ou motivação para esta singela construção em espaço pouco comum. A fé das pessoas simples, simples seria de entender, foramos nós simples também.
Atravessamos uma bela e sombreada floresta mas a inclinação do caminho e o peso das mochilas, fazem que curvados caminhemos e até de pensar nos privamos para maior não ser o cansaço.
Chegamos ao lugar de O Igrexario. Ao longe a esbelta torre barroca da Igrexa de San Miguel, elevando-se sobre os telhados da aldeia, convida a que a visitemos. Um magote de gente “fina" estacionou aqui no meio do cruzamento. Transpirados e cansados da subida imaginamo-nos com horrível aspeto junto destes janotas. Saudamos e tencionamos continuar em direção à igrexa mas somos interpelados pelas pessoas que viram em nós motivo de curiosidade. Se somos peregrinos, de onde vimos, há quantos dias caminhamos, o que achamos do caminho… fomos respondendo concreta e amavelmente a todas as questões. Aproxima-se mais de nós um dos engravatados e diz-nos que ali está a candidata e atual “alcalde" de Boborás. De facto já notado havíamos que a cara da senhora que mais curiosidade tinha manifestado era a mesma que constava do cartaz colado na paragem de autocarro ali junto. Não sei se manifestámos algum incómodo por estarmos ali parados se por sermos completamente indiferentes à tendência política da candidata, o certo é que conseguimos acabar com o “comício” e aqui vamos em direção ao templo que havíamos decidido visitar.
A missa do meio dia acabou há um quarto de hora, razão provável do enxame de políticos que ali atrás continua, mas a porta da igreja já está fechada. Certo é que entrar também não iria se estivesse aberta por receio de voltar a ser expulso. Acabo por apreciar por fora este templo que deverá datar do início do século XVII. Esta fachada muito elegante foi construída no século XIX. A torre tem dois corpos com varandim balaustrado.
Regressamos ao “Caminho" passando de novo pelo grupo de políticos que ainda ali continuam. Saímos da aldeia subindo em direção a Distriz. O velho hórreo na encosta, clama pela atenção que há muito lhe é negada. Inclinado, teima em se manter de pé. Velho e abandonado, hesita entre não ceder ou desistir e para o chão deixar-se cair. Não sei porquê… ou será que sei?... dizia, não sei porquê mas pensei na inaptidão e insensibilidade para os valores da tradição cultural daqueles que, do povo, recebem o poder para gerir e valorizar o que ao povo pertence. Pomos a nossa esperança no boletim de voto mas acabamos caídos na desilusão. Um dia a esperança dará lugar à frustração e à ira… paremos por aqui. Somos peregrinos da vida tam 

Waypoints

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Chuva de pétalas na fonte lacrimejante

PictographPhoto Altitude 870 ft
Photo ofPor Camiño Real Photo ofPor Camiño Real Photo ofPor Camiño Real

Por Camiño Real

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Photo ofEntre antigas casas de granito e vinhedos Photo ofEntre antigas casas de granito e vinhedos Photo ofEntre antigas casas de granito e vinhedos

Entre antigas casas de granito e vinhedos

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Photo ofEscultura alusiva ao Caminho da Geira e dos Arrieiros junto à Capela de San Roque a 100 kms de Santiago Photo ofEscultura alusiva ao Caminho da Geira e dos Arrieiros junto à Capela de San Roque a 100 kms de Santiago Photo ofEscultura alusiva ao Caminho da Geira e dos Arrieiros junto à Capela de San Roque a 100 kms de Santiago

Escultura alusiva ao Caminho da Geira e dos Arrieiros junto à Capela de San Roque a 100 kms de Santiago

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Photo ofCaminho rural entre carvalhos e vinhedos Photo ofCaminho rural entre carvalhos e vinhedos Photo ofCaminho rural entre carvalhos e vinhedos

Caminho rural entre carvalhos e vinhedos

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Photo ofUm caminho de sossego e frescura Photo ofUm caminho de sossego e frescura Photo ofUm caminho de sossego e frescura

Um caminho de sossego e frescura

PictographIntersection Altitude 855 ft
Photo ofSeguindo na direção do Sendeiro da Pena Corneira

Seguindo na direção do Sendeiro da Pena Corneira

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Photo ofPor alternativo caminho

Por alternativo caminho

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Photo ofPaisagens de incrível beleza

Paisagens de incrível beleza

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Photo ofReencontro com o Caminho Oficial

Reencontro com o Caminho Oficial

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Ponte da Cruz

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Sobre o Rio Avia

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Pazos de Arenteiro

PictographReligious site Altitude 425 ft
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Igreja de San Salvador

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As vinhas estendendo-se pelas encostas

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Em A Vila

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Os líquenes invadiram as árvores

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Subindo a 'parede'

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Salón de Boborás

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Velhos caminhos

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Photo ofSe por ali ninguém passa, porquê as Alminhas? (Peto de Ánimas de Salón) Photo ofSe por ali ninguém passa, porquê as Alminhas? (Peto de Ánimas de Salón)

Se por ali ninguém passa, porquê as Alminhas? (Peto de Ánimas de Salón)

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Igreja de San Miguel de Albarellos

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Photo ofVelho Hórreo

Velho Hórreo

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Capela de San Lourenzo em Paredes

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Flores no barrio de As Costiñas

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Chegando ao Forno do Curro

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