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Caminho Primitivo - 4ª Etapa (Campiello - Berducedo)

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Trail stats

Distance
17.14 mi
Elevation gain
3,330 ft
Technical difficulty
Difficult
Elevation loss
2,310 ft
Max elevation
4,197 ft
TrailRank 
77 5
Min elevation
2,066 ft
Trail type
One Way
Moving time
7 hours one minute
Time
9 hours 22 minutes
Coordinates
4923
Uploaded
September 19, 2021
Recorded
September 2021
  • Rating

  •   5 1 review
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near Bustiello de la Cabuerna, Asturias (España)

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Itinerary description

M.A. não dormiu. A má disposição está patente nas profundas olheiras, na tristeza e sinais de enjoo que o seu rosto reflete. Aguardamos mas não melhora. Corajosa propõe que iniciemos a jornada - pode ser que passe. - diz.
A manhã acordou amena e nebulada. À frente veem-se os picos da Sierra de Fonfaraón. A mística travessia daquelas serranias por "La Ruta de los Hospitales" é o nosso destino. M.A. não se sente melhor. O seu rosto mostra que não está bem. Passamos a Ermita de Santa Magdalena del Fresno. Rogamos à Santa que cuide de nós e alivie o que mais nos preocupa neste momento.
Deixamos a TI-3 e caminhamos devagar por caminhos rurais abertos por rodados de carros, carroças e tratores. M.A. não consegue dissimular a indisposição e preocupa-nos o seu sofrimento. O Camino pode ter sofrimento e pode ter tristeza mas não deve ter irresponsabilidade nem loucura. Chegamos à "Fonte La Reguera". Paramos, sentamo-nos na beira do bebedouro e tomamos decisões. À nossa direita está o caminho para o Albergue de Santa Maria de Borres. Vou lá acima ver se podemos aqui passar o dia e pernoitar. J.A. vem comigo. Chegamos. O albergue parece abandonado. Não há ninguém que nos possa informar. A porta franqueia-nos a entrada. Tudo com mau aspeto, sujo e com um desagradável cheiro. Voltamos à fonte. Decidimos seguir até ao Albergue La Montera.
Chegámos. Um painel na porta informa, "Cerrado". Não tínhamos essa informação. Ligamos para o número que por baixo está. Vã esperança. Telefonamos para o Albergue de Samblismo. Informam-nos que está completo para hoje. Que fazemos?... decisão unânime: voltamos a Campiello. Chamamos para o albergue de onde saímos há pouco mais de uma hora. Está completo para hoje. Simpaticamente dizem que se não conseguirmos lugar no outro albergue que voltemos a chamar, "alguma coisa se há de arranjar". Telefonamos para o outro albergue. Propõem-nos dois quartos duplos. Duplica o custo. É o que se pode arranjar. Aceitamos.
Aqui vamos em sentido inverso. Os peregrinos por quem nos cruzamos estranham. Alguns já conhecidos interrogam e nós explicamos. "As melhoras", desejam. Buen Camino, replicamos. Melhor ficaria à maneira antiga : "Ultreya!", a que responderíamos "Suseya!". "Os tempos são feitos de mudança", nem sempre para melhor.
Passou a noite.
Depois de um dia a água gaseificada natural, pão e marmelada M.A. dormiu melhor e acordou bem disposta. Fomos informados ontem que não era servido "disayuno" na pensão e, por isso, aprovisionámo-nos de comida e água para um dia sem qualquer ponto de reabastecimento. Los Hospitales esperam-nos. Tomamos o pequeno almoço comprado ontem e saímos cedo.
A beleza do amanhecer a leste compensa-nos.
A ermida de Santa Magdalena del Fresno está às escuras mas os santos não dormem. Agradecemos a graça. Se dela não foi há de redirecionar para quem de direito.
Saímos da TI-3 e voltamos a percorrer o caminho, não menos enlameado do que ontem, até Borres. Tudo dorme ainda. "El Barin" está fechado. Não há outro lugar onde tomar café. Seguimos pelo caminho cimentado encosta acima. Borres plantou-se nesta encosta à sombra de "El Picón" que se eleva acima de 750m. A terra, que para nós foi pouco hospitaleira, teve um hospital de romeiros, doado no séc.IX à igreja de Santiago por "Alfonso III El Magno".
A Igreja de Santa Maria fica fora do caminho sinalizado, por isso a não vimos senão cá de cima, quase indistinta entre telhados negros das habitações. Pena foi porque o desvio era pequeno e um templo medieval não é todos os dias que se tem oportunidade de ver. Subimos pelas faldas de "El Picón". Chegamos a La Solana. Num cruzamento de caminhos está um "mojón" que indica duas direções: Hospitales ou La Pola. A decisão está tomada há dias: «Hospitales se a meteorologia o permitir». E Deus assim o quis. Talvez para nos compensar do dia de ontem ou talvez o dia de ontem tivesse de acontecer para que se cumprisse hoje o que todos desejávamos. Os desígnios de Deus não estão ao alcance da compreensão humana. Perdoa M.A. se, porventura, foste vítima do nosso querer.
As nuvens que mapeiam o céu vão-se diluindo em farrapos de algodão, prometendo um dia agradável e bonito.
A subida leve trouxe-nos, por caminhos rurais, entre prados e bosques, pelas encostas da serra. E agora uma suave descida leva-nos a La Mortera e à "Ermita de San Pascual Baylon", datada do séc XVI ou XVII. Questiono-me pela razão que levou à devoção do "irmão leigo" franciscano que, pastoreando gado na infância, implorava que lhe ensinassem a ler e que dizia ao finar-se: "nasci pobre e decidi pobre e penitente morrer".
O portal gradeado deixa que o sol nascente beije as imagens no interior. Maria no nicho central, com o guerreiro S. Jorge à direita e o humilde S. Pascoal à esquerda, olha-nos indulgente. Olhar de Mãe. Oro: Não tenhas pena de nós, Maria. Antes, se te apraz, zela por nossos passos por estes cerros acima. A Virgem não altera o olhar mas imagino um leve sorrir nos seus lábios.
Recente é esta imagem pois que roubada foi a original. Seguimos de espírito leve e mochila pesada. Bem que a Santa podia dar uma mãozinha. Vamos lá, se o prazer é nosso também o deve ser o esforço. M.A. não mostra má cara.
Temos vindo, entre pinheiros e prados, por caminhos ganadeiros. Uma cancela, que não permite que o gado saia, deixa que passemos e fecha-se logo. O vale lá tão em baixo consciencializa-nos do que já subimos. Pelas encostas "del Caborno sobe nosso caminho e nosso olhar estende-se pelos vales e montanhas que nos rodeiam saciando a nossa sede de infinito.
Infinita é a beleza do que nos rodeia agora. Sempre subindo têm vindo nossos pés e nossa admiração. Admirável é a criação e infinita a sabedoria do Criador.
É domingo e talvez por isso é pouco o gado que vamos encontrando ao longo destes caminhos. Uma vaca, parada no meio do trilho, olha-nos agora por poucos instantes. Ciente de que é mais fácil para ela desviar-se que nós sair do caminho, sobe encosta acima e, lá do alto, fica a apreciar estes estranhos com bossas coloridas subindo serra acima.
O caminho aplanou. Andamos nestes cumes com o coração ao alto. Mas ainda há mais para subir. Perco-me na contemplação dos cumes e vales, montanhas fora caminhando entre El Caborno e El Tableiros.
Chegamos a La Paradiella. Os pétreos resíduos que por aqui se espalham, entre juníperos e erva, constituíram um inimaginável edifício que deu guarida a romeiros, peregrinos, almocreves e pastores. Diz o letreiro, para informação, que existe memória deste hospital em documento do séc XV.
Imagino este refúgio que terá sido a primeira esperança e alívio para quem nem imaginava que um dia haveria GPS, solas antichoque nas botas waterproof ou mochilas ergonómicas. De cajado na mão, botins de couro confecionados à mão, alforges de estopa às costas com côdeas de pão e carne seca dentro, capote encharcado se chovia ou camisa aberta e mangas arregaçadas se estio fosse, um odre ou cabaça de água, vinho ou sidra, quase esgotado, pendurado no bastão, chapéu de larga aba cozido pelo sol, escutando o temido uivo da alcateia ou urro de urso, caminharia por um "sendero" de humanos, adivinhado entre tantos outros que os animais trilhavam. O fumo provável de um borralho ou a luz tremeluzente de uma candeia, pendurada na padieira da porta, seriam os prováveis faróis que lhe fariam sorrir o olhar e sossegar o espírito. Aqui encontraria hospitalidade e calor humano. Talvez apenas um caldo de berças ou uma "fabada" com sabor a carne de javali que o eremita hospedeiro caçou e fumou, aliviava a barriga e aquecia a alma. A noite, passada numa enxerga de feno seco, era sonhada ao abrigo do calor do brasido, quase apagado, da lareira no canto.
"Muy temprano" se levantaria o romeiro para retomar o caminho que, esforçadamente, subimos agora em direção a "la Campa la Braña" pelo mais duro troço desta rota. Ferem-se as botas nas lascadas e soltas pedras, dobram-se as costas ao peso das mochilas, fincam-se os bastões equilibrando os desiquilibrados corpos, pinga o suor testa e costas abaixo e, ofegantes, sedentos e esfomeados chegamos a este acolhedor terraço pontilhado de pinheiros e arbustos. As mochilas descem dos ombros e as costas endireitam-se num movimento de dor e alívio. Bebe-se água controlando a sofreguidão porque muito caminho ainda há para andar. Tira-se a bucha e campeamos saboreando comida, silêncio e beleza. Dois jovens peregrinos chegam, saúdam e sentam-se num muro de pedra virados a nascente. Deambulo enquanto como. Encho os olhos nas paisagens a norte até ao Mar Cantábrico, que a transparência desta manhã me oferece ver para além daquele parque eólico ao longe.
Com a mochila mais leve, o estômago mais aconchegado e o semblante mais "aberto" retomamos o nosso caminho cuidando para não pisar os belíssimos "quitameriendas" ou "açafrão dos prados", seguindo por carreiros paralelos ao pouco convidativo trilho pedregoso sinalizado.
Vários são os "marcos votivos" que os peregrinos vão, por motivos de espiritualidade ou apenas folclore, plantando ao longo "del Camino". Aqui está mais um. É um mojón "enfeitado" com mensagens, peças de roupa, contas e pedras. O Google Maps apresenta neste ponto a etiqueta "Cosmic Circle" mas não encontrei qualquer explicação para esta referência. O único círculo visível, desde aqui, é o de uma pequena lagoa que "alguém" atribuiu às célebres represas de água utilizadas pelos romanos na engenhosa, admirável e ruinosa técnica "ruina montium" da pesquisa e mineração aurífera e que, utilizando a força da água injetada em longos túneis escavados, destruía montanhas para aceder aos veios auríferos mais profundos. O método foi muito utilizado na península. tê-lo-á sido por aqui?... dizem que sim. Os vestígios indiciam isso e os meus apontamentos também.
Continuando a pensar no misticismo do local subo em modo automático alguns metros, mas a beleza da paisagem a leveza do ar e a dureza do piso trazem-me à realidade. Aplana o caminho e chegamos ao segundo desaparecido abrigo: o Hospital de Fonfaraón. As primeiras pedras, que podendo ter pertencido ao hospital e trazidas para aqui, são hoje uma cabana de abrigo, talvez para animais, dada a quantidade de lama e excrementos. Um pouco adiante, protegido a norte por "El Pico Cimeiro", encontra-se então o lugar onde, de facto, existiu o velho hospital. Em 1918 ainda aqui se dava guarida a peregrinos. Não resisto a partilhar um texto, publicado por Xurde Morán, e que guardei nos meus apontamentos:
«...todavia se encontraba atendido por una mujer, que mediante el exiguo jornal de una peseta, daba abrigo a los caminhantes en una reducida estancia, donde solo habia un hogar con poyos alrededor».
Seria esta cabana, que agora diante de nós se vê, a tal "reducida estancia"?... não creio. Imagino que se trate, como a que vimos ali atrás, do reaproveitamento das pedras do antigo "Hospital de Baxo", como também conhecido seria, para a construção de abrigo de quem o gado aqui traz e recolhe. Foram estes "hospitales" instituições de beneficência patrocinadas pelos reis e regidas por "patronos" nomeados para o efeito. Tinham rendas e propriedades que eventualmente iriam além das necessidades. Quando assim é o destino fica traçado. Acho eu.
Saímos caminhando junto a um muro de pedra seca que bordeia o caminho. Enquanto contornamos o Picu Cimeiro pela vertente sul, por um caminho enfeitado de urze, paisagens incríveis e um silêncio só cortado pela nossa ofegante respiração, medito na jornada ao custo de uma peseta e no que motivaria uma mulher a permanecer naquele inóspito lugar, sujeita à inclemência das intempéries, para dar abrigo a caminhantes. A procura de razões e motivações ocupa tanto do meu tempo nestes caminhos como o ocupam o êxtase e o deslumbre perante as maravilhas da natureza e das obras e ações dos homens. Não tardou muito, ou eu não dei pelo passar do tempo e do espaço, e estamos já no local onde existiu o terceiro hospital, o Hospital de Riba ou Hospital de Peregrinos de Valparaíso. Li, não sei onde, que, onde está este monte de pedras sem qualquer organização, ainda no séc. XIX aqui funcionou o hospital que até tinha capela dedicada a Santa Maria Madalena, cuja imagem, diz-se, terá sido guardada numa casa particular do povoado de La Reigada. Felizmente a santa encontrou abrigo porque os peregrinos aqui deixaram de o ter.
Seguimos, de novo, por caminho, que não só pés ou patas pisoteiam, pela encosta de El Picaratín. O mato de cor verde luminosa cobre as encostas de um e outro lado. No céu, livre e graciosa, plana uma águia. É a primeira vez que as vemos neste caminho. As grandes rapinas eram características de zonas de montanha. Hoje poucas se veem.
Chegamos à Laguna de La Marta. Nas imagens deste caminho que me deslumbraram e apaixonaram, vi estes trilhos, encostas e sobretudo esta lagoa rodeados de cavalos e vacas. Hoje parece que se evaporaram. Provavelmente por domingo ser.
O espelho de água reflete o azul celeste. Contemplam-se as serras circundantes. Estende-se o olhar até ao infinito. O tempo parou e a brisa suave enche-nos o coração de prazer.
Continuam andando meus companheiros pela dobra serrana sem se aperceberem que passado já foi o sinal que desvia o trilho colina abaixo. Não é importante porque o caminho antigo continua em frente e assim prolongamos o prazer de caminhar cá por cima. Misterioso é este desígnio da atração pelos picos das montanhas. Justificá-lo-á o gozo da paisagem e da longitude que a vista alcança mas vai mais além dos prazeres dos sentidos. Existe um desígnio místico que levou a escolher estes pontos altos para celebrar a vida e a morte desde que a essência humana se tornou consciente.
Também foram estes picos lugar de culto na vida e na morte. Vários são os dolmens e antas que por aqui existem. Li que em La Marta existe um lugar de sepulturas pré históricas de nome La Carreiriga los Gallegos. Não sei, no entanto, se fica próximo ou afastado del Camino. Cá em cima fica-se mais perto de Deus, seja Ele qual for. É o desígnio e desejo humano de salvação.
A AS-364 corta-nos o caminho no Altu La Marta. À frente "El Pico la Casilla" e, à direita dele, a subida para La Freita que vamos percorrer de seguida. Começa já a sentir-se a transpiração só de olhar. Vamos lá, força!
Chegamos a La Freita. O GPS marca 1255m ainda que o pico esteja oficialmente a 1205m. Existe ali uma zona plana com alguns pinheiros. Sopra uma brisa fresca. Descansamos as mochilas que, coitadas, estão fartas das nossas costas. Tiramos das suas entranhas mais um pouco do farnel que ali tem vindo aconchegado. Sentamo-nos em pedras e troncos caídos. Mas não sou capaz de estar sentado a comer quando à minha volta a paisagem é de tanta beleza. Quando descanso o olhar, espreguiçando-o por esses montes e vales fora, sou alertado para estes alcantilados abruptos com cortes na montanha como se tivessem sido, por colossal gigante, arrancados bocados à serra. De facto, aqui se veem as "feridas" nos montes feitas na exploração aurífera romana pela impressionante técnica "ruina montium", também designado "arrugia" nos textos em espanhol, que fazia explodir montanhas completas pela força da água injetada em túneis previamente abertos no seu interior, como foi descrito por Plínio "O Velho" na sua obra "Naturalis Historiae", única fonte da época. Recordo a minha estupefacção quando visitei "Las Médulas", o exemplo mais impressionante deste tipo de mineração utilizado no séc.I da nossa era, quando não existia pólvora e as rochas eram partidas à força de braços ou através do uso de vinagre ou ainda por aquecimento pelo fogo e arrefecimento repentino com água, construindo-se galerias por onde haveria de ser injetada água às toneladas, de uma vez só, que tudo rebentaria.
Registo numa foto estes montes feridos e regresso para junto dos meus companheiros, meditativo.
Repomos as mochilas às costas e continuamos caminho adiante.
Vou pensando na febre do ouro e na destruição de paisagens por esse mundo além que ainda vai acontecendo. De repente lembro que a quarta estrutura hospitaleira desta rota ficaria por aqui algures e chamar-se-ia "Hospitalín de La Freita". Nada vi que me desse ideia de serem vestígios de tal hospital. Esfumou-se!... não fora a memória deixada em documentos e quem acreditaria?... Tudo na vida é efémero. Por muito colossal que a obra seja haverá um dia que se dilui na solvência do tempo.
Sou acordado do meu sonambulismo meditativo por algo que ansiava presenciar. Cá estão, finalmente!... Aqui, pertinho do "Puerto del Palo", Uma manada de cavalos e vacas, misturados uns com outras, pastando livres e felizes. O ex libris desta rota aparece-nos quando, descendo, nos vamos despedindo da variante "Ruta de los hospitales". Ali, no "puerto", encontra-se esta com a variante de la Pola. Assim, aqui pastando, têm os peregrinos de ambas as rotas o mesmo privilégio. À semelhança dos que povoam algumas zonas do Gerês, também estes cavalos têm dono. Apenas andam por aqui pastando e procriando em liberdade. São semi-selvagens. Contra vontade temos que continuar.
Começamos a descer e, quando o meu consciente voa para as montanhas de belas paisagens percorridas, a ladeira decide chamar-me inconsciente. Foi uma pequena escorregadela sem consequências, felizmente!... e, agora, aqui vamos olhando para o chão, escolhendo o terreno a cada passo, parando bem parados para contemplação da paisagem se queremos fazê-lo.
O caminho alarga mas o piso não melhora. Atravessamos a AS-14. A descida continua acentuada e pedregosa. Queixam-se os joelhos, queixam-se as botas e nós... temos que aguentar.
Com menor declive seguem agora nossos passos e um novo som familiar se começa a ouvir. É o cantar da água nos ressaltos pedregosos do "Arroyo del Forno". A água que lavou ouro lava-nos agora a alma com seu murmúrio. Deixamo-nos embalar mas não adormecer enquanto caminhamos ladeira abaixo pelas faldas da Sierra del Palo.
Entre muros, entramos em "Montefurao" ou Montefurado.
Terá o topónimo algo a ver com a mineração romana e as galerias escavadas?... eventualmente, à falta de outra explicação esta parecerá a mais óbvia e aceite. Neste enclave entre a serra de Los Lagos e Valledor (Vale del Oro?... tudo por aqui se parece relacionar com ouro e romanos), quase no sopé da Sierra del Palo, onde existem muitos vestígios de povoações pré-históricos, aparece-nos este povoado que parou na história e de onde se evaporaram as pessoas. Diz-se que apenas uma pessoa aqui habita, o Pepe e seu mastim.
Logo à entrada do povoado encontramos um "hito del camino": a Ermita de Santiago. Espreitamos para dentro mas não há luminosidade que permita distinguir o que quer que ali exista. Diz o painel que pertenceu ao hospital. Não se sabe quando foi fundado, todavia sabe-se que em 1744 foi reconstruído. Diz-se deste hospital que, além de dar guarida e conforto a viandantes, em dias de névoa ou borrasca, o seu sino tangia continuamente para orientar quem nestas serranias caminhava.
O povoado típico de casas de pedra cobertas de ardósia, pertence à paróquia de Lagos.
Insólito o que está a acontecer. Esperem... que raio... mas que quer o homem?...
Agora eu conto: quando chegámos chegaram também cinco jovens peregrinos. Todos ecoconscientes. Ao vermos dois contentores de lixo, libertamos os bolsos dos plásticos que, infelizmente, embrulhavam a comida que foi sendo consumida ao longo do caminho. De repente aparece um senhor idoso de bastão na mão expulsando toda a gente. Presumo que seja Pepe, o único habitante desta histórica aldeia. Tanto quanto percebi das palavras vociferadas, com a fúria de quem se vê roubado de tudo e que nós não sabemos o quê, dizia que fôssemos embora, que ali não queria ninguém, que os contentores eram dele, que existia um parque de descanso à frente... e, ameaçante, levantava o bastão. Ninguém ripostou e, calmamente, abandonamos o povoado e o pouco hospitaleiro Pepe que, felizmente, hoje não tinha o seu mastim por perto.
Ancestrais caminhos estes que vamos percorrendo ao lado de El Valledor, escutando lá em baixo o canto da água "del Rio Oro" correndo livre entre montanhas. Subimos para "el Xesto da Fonte".
Chegamos ao cimo. Por belo carreiro entre carvalhos novos. Encontramos uma cancela fechada. Ao lado uma estreita passagem onde passam pessoas mas não cabem as vacas. A cancela, como outras que já encontrámos, está aqui não para que peregrinos não passem mas para que o gado não saia.
De novo a descer. Agora por carreiro aberto entre tojo, fetos e urze com um lindo vale à nossa esquerda e montanhas a perder de vista.
Os quilómetros andados desde o alto do Xesto da Fonte foram de contemplação silenciosa, interiorização e flutuação do pensamento por hospitais, gado semi-livre, montes explodidos, ganância do ouro, motivos para um eremita expulsar peregrinos que passam em paz pelo seu ermitério, águias que faltam no céu, onde pertencemos?... o que é nosso e o que fazemos ao que foi posto à nossa disposição?..., para onde caminho?... porquê?...qual o meu lugar aqui?...
Abano a cabeça para voltar à terra. Pronto, cá estamos de novo e ali está a estrada AS-14. Não chegamos a entrar no asfalto porque existe um mojón que indica um carreirinho mesmo ali ao lado. Dois outros peregrinos seguem pelo asfalto. Vão longe, não vale a pena chamar porque me não ouviriam. Talvez até tenha sido opção deles seguir pelo asfalto. O caminho segue paralelo mas desnivelado relativamente à estrada. Passamos um pequeno pinhal e depois passam os carvalhos a bordear este belo e húmido caminho. Passamos junto a um depósito e a água aqui ensopou de tal modo o estreito caminho que, sem outra hipótese, molhamos as botas. Os castanheiros são de novo nossos companheiros. Acompanham-nos também os fetos, indicador da humidade deste troço.
O cemitério de Lago aparece à nossa direita. Há velhas e podres flores aqui despejadas à beira do caminho. Foram flores de saudade colocadas em campas e jazigos. Agora jazem elas aqui em lugar impróprio e exalando um impróprio odor. Entramos em piso de cimento e chegamos à igreja paroquial de Santa Maria. Ali mesmo ao lado uma fonte de água potável, finalmente!... haja Deus!... Perde a igreja para a fonte. Bebemos, enchemos as garrafas, damos uma espreitadela à igreja e a umas alminhas ou "altar del Corpus" que estão ao lado e seguimos caminho. Esquecemos o teixo, a árvore sagrada, com 5 metros de diâmetro no tronco, que é considerada "Monumento Natural" pela idade e dimensão. Fica a alguns metros da igreja mas não vimos nem sabemos se existe indicação da sua localização. Sabemos da sua existência, só isso.
Atravessamos o povoado e entramos na AS-14. Foi curto o percurso em asfalto pois já aqui está um mojón indicando a direção de um carreiro que sobe à direita.
Subimos um pouco e agora cruzamos um terreno plano, "el Chao de Llago".
E agora um grande e plano pinhal abre-se à nossa frente. Um hábito bem português é o de associar pinhal a pic-nic. Pois então que se cumpra a tradição, abanquemos!...
Vão passando outros peregrinos. Os nossos já conhecidos russos saúdam-nos em espanhol tipo "russinhol". Lindo!
Cá vamos de novo. Não fora o céu ter-se tornado plúmbio e ameaçador e caminharíamos à sombra neste chão a que deram o significativo nome "La Llanada".
Chegamos ao Albergue de Berducedo. Uma antiga escola mesmo à entrada da povoação. Os últimos metros caminhados foram uma odisseia para evitar pisar a bosta que atapeta o caminho.
A hospedeira foi a Nico. Peregrina como nós antecipara-se-nos apesar dos dedos todos feridos nos pés. A simpatia e disponibilidade desta romena só era ultrapassada pela sua capacidade de sofrimento. Diz-nos o que fazer. Mais tarde chegou a verdadeira hospedeira.
Outra etapa concluída. Deo gracias!

Waypoints

PictographReligious site Altitude 2,072 ft
Photo ofErmita de La Magdalena del Fresno Photo ofErmita de La Magdalena del Fresno Photo ofErmita de La Magdalena del Fresno

Ermita de La Magdalena del Fresno

PictographPhoto Altitude 2,099 ft
Photo ofA oriente clareia a manhã sob as nuvens

A oriente clareia a manhã sob as nuvens

PictographPhoto Altitude 2,131 ft
Photo ofAinda novo olhar para ver a manhã clarear

Ainda novo olhar para ver a manhã clarear

PictographPhoto Altitude 2,155 ft
Photo ofBorres à nossa frente Photo ofBorres à nossa frente

Borres à nossa frente

PictographPhoto Altitude 2,364 ft
Photo ofLá em abaixo, entre telhados negros, a igreja de Santa Maria de Borres Photo ofLá em abaixo, entre telhados negros, a igreja de Santa Maria de Borres

Lá em abaixo, entre telhados negros, a igreja de Santa Maria de Borres

PictographPhoto Altitude 2,519 ft
Photo ofNo ponto da decisão que já tinha sido tomada Photo ofNo ponto da decisão que já tinha sido tomada

No ponto da decisão que já tinha sido tomada

PictographPhoto Altitude 2,559 ft
Photo ofLa Mortera - Ermita de San Pascual Baylon Photo ofLa Mortera - Ermita de San Pascual Baylon Photo ofLa Mortera - Ermita de San Pascual Baylon

La Mortera - Ermita de San Pascual Baylon

PictographPhoto Altitude 2,809 ft
Photo ofPanorâmica sobre o vale do rio La Mortera

Panorâmica sobre o vale do rio La Mortera

PictographPhoto Altitude 3,335 ft
Photo ofO encanto que o olhar abarca dá ideia do que já subimos

O encanto que o olhar abarca dá ideia do que já subimos

PictographPhoto Altitude 3,429 ft
Photo ofSubindo por caminhos ganadeiros

Subindo por caminhos ganadeiros

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Photo ofA vaquinha saiu do caminho para deixar passar os peregrinos Photo ofA vaquinha saiu do caminho para deixar passar os peregrinos Photo ofA vaquinha saiu do caminho para deixar passar os peregrinos

A vaquinha saiu do caminho para deixar passar os peregrinos

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Photo ofAproveitando uma trégua da montanha, preparamo-nos para a próxima e mais dura subida Photo ofAproveitando uma trégua da montanha, preparamo-nos para a próxima e mais dura subida Photo ofAproveitando uma trégua da montanha, preparamo-nos para a próxima e mais dura subida

Aproveitando uma trégua da montanha, preparamo-nos para a próxima e mais dura subida

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Photo ofPerdido na contemplação das montanhas... Photo ofPerdido na contemplação das montanhas...

Perdido na contemplação das montanhas...

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Photo ofNos resíduos do Hospital de Paradiella Photo ofNos resíduos do Hospital de Paradiella Photo ofNos resíduos do Hospital de Paradiella

Nos resíduos do Hospital de Paradiella

PictographPhoto Altitude 3,553 ft
Photo ofA mais dura parte da etapa ameniza-se olhando os montes à esquerda Photo ofA mais dura parte da etapa ameniza-se olhando os montes à esquerda Photo ofA mais dura parte da etapa ameniza-se olhando os montes à esquerda

A mais dura parte da etapa ameniza-se olhando os montes à esquerda

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Photo ofO duro pesadelo da subida para La Campa la Braña em paisagens de sonho Photo ofO duro pesadelo da subida para La Campa la Braña em paisagens de sonho Photo ofO duro pesadelo da subida para La Campa la Braña em paisagens de sonho

O duro pesadelo da subida para La Campa la Braña em paisagens de sonho

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Photo of'Quitamerendas' em La Campa La Braña, local onde almoçámos Photo of'Quitamerendas' em La Campa La Braña, local onde almoçámos Photo of'Quitamerendas' em La Campa La Braña, local onde almoçámos

'Quitamerendas' em La Campa La Braña, local onde almoçámos

PictographPhoto Altitude 3,945 ft
Photo ofMais perto do céu Photo ofMais perto do céu Photo ofMais perto do céu

Mais perto do céu

PictographPhoto Altitude 4,149 ft
Photo ofUm lugar cósmico pleno de misticismo Photo ofUm lugar cósmico pleno de misticismo Photo ofUm lugar cósmico pleno de misticismo

Um lugar cósmico pleno de misticismo

PictographPhoto Altitude 4,118 ft
Photo ofChegando ao cimo. La Chana, pouquinho antes de Fonfaraón.

Chegando ao cimo. La Chana, pouquinho antes de Fonfaraón.

PictographPhoto Altitude 4,106 ft
Photo ofPor aqui existiu o Hospital de Fonfaraón que abrigou peregrinos Photo ofPor aqui existiu o Hospital de Fonfaraón que abrigou peregrinos Photo ofPor aqui existiu o Hospital de Fonfaraón que abrigou peregrinos

Por aqui existiu o Hospital de Fonfaraón que abrigou peregrinos

PictographPhoto Altitude 4,163 ft
Photo ofA beleza da paisagem, a dureza do trilho e o colorido da urze Photo ofA beleza da paisagem, a dureza do trilho e o colorido da urze Photo ofA beleza da paisagem, a dureza do trilho e o colorido da urze

A beleza da paisagem, a dureza do trilho e o colorido da urze

PictographPhoto Altitude 4,173 ft
Photo ofLá em baixo o serpenteado da AS-364, cá em cima o trilho subindo por entre a urze Photo ofLá em baixo o serpenteado da AS-364, cá em cima o trilho subindo por entre a urze

Lá em baixo o serpenteado da AS-364, cá em cima o trilho subindo por entre a urze

PictographPhoto Altitude 4,003 ft
Photo ofPedras soltas, o que resta do Hospital de Valparaíso Photo ofPedras soltas, o que resta do Hospital de Valparaíso Photo ofPedras soltas, o que resta do Hospital de Valparaíso

Pedras soltas, o que resta do Hospital de Valparaíso

PictographPhoto Altitude 3,973 ft
Photo ofUma águia buscando algo que não nós Photo ofUma águia buscando algo que não nós Photo ofUma águia buscando algo que não nós

Uma águia buscando algo que não nós

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Lagoa de La Marta

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Photo ofDeleitando os olhos e a alma no 'Altu La Marta' Photo ofDeleitando os olhos e a alma no 'Altu La Marta' Photo ofDeleitando os olhos e a alma no 'Altu La Marta'

Deleitando os olhos e a alma no 'Altu La Marta'

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Photo ofNo Pico da Freita (1205m) e as 'feridas' na serra feitas pelos romanos pela colossal técnica de 'Ruina Montium' Photo ofNo Pico da Freita (1205m) e as 'feridas' na serra feitas pelos romanos pela colossal técnica de 'Ruina Montium' Photo ofNo Pico da Freita (1205m) e as 'feridas' na serra feitas pelos romanos pela colossal técnica de 'Ruina Montium'

No Pico da Freita (1205m) e as 'feridas' na serra feitas pelos romanos pela colossal técnica de 'Ruina Montium'

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Photo ofPanorâmicas acima dos 1200 metros Photo ofPanorâmicas acima dos 1200 metros

Panorâmicas acima dos 1200 metros

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Photo ofLivres, calmos e felizes Photo ofLivres, calmos e felizes Photo ofLivres, calmos e felizes

Livres, calmos e felizes

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Photo ofPuerto del Palo. O ponto de encontro dos dois caminhos

Puerto del Palo. O ponto de encontro dos dois caminhos

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Na grande descida

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Photo ofUma pausa na grande descida Photo ofUma pausa na grande descida Photo ofUma pausa na grande descida

Uma pausa na grande descida

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Photo ofCom 'o Arroyo del Forno' correndo lá em baixo Photo ofCom 'o Arroyo del Forno' correndo lá em baixo

Com 'o Arroyo del Forno' correndo lá em baixo

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Photo ofCapilla de Santiago de Montefurado Photo ofCapilla de Santiago de Montefurado Photo ofCapilla de Santiago de Montefurado

Capilla de Santiago de Montefurado

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Photo ofPor entre muros nos caminhos ancestrais de Montefurado Photo ofPor entre muros nos caminhos ancestrais de Montefurado

Por entre muros nos caminhos ancestrais de Montefurado

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Photo ofContornando uma cancela na Sierra del Palo Photo ofContornando uma cancela na Sierra del Palo Photo ofContornando uma cancela na Sierra del Palo

Contornando uma cancela na Sierra del Palo

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Photo ofIgreja de Santa Maria de Lago e uma fonte de água fresca Photo ofIgreja de Santa Maria de Lago e uma fonte de água fresca Photo ofIgreja de Santa Maria de Lago e uma fonte de água fresca

Igreja de Santa Maria de Lago e uma fonte de água fresca

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Photo ofCaminhando no trilho 'almofadado' de um pinhal

Caminhando no trilho 'almofadado' de um pinhal

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Photo ofCaminhos rurais perto de Berducedo Photo ofCaminhos rurais perto de Berducedo

Caminhos rurais perto de Berducedo

Comments  (2)

  • Photo of AliceLigeiro
    AliceLigeiro Dec 3, 2021

    Esta etapa do Caminho foi feita num dia em que me sentia frágil e debilitada.
    Foi feita de forma consciente e responsável, partindo do conhecimento generalizado de que tinha subidas e descidas com um grau de dificuldade elevado.
    No dia que a fizemos, o sol, a luminosidade e as imagens deslumbrantes não diminuíram nem facilitaram as dificuldades do Caminho, mas amenizaram as minhas debilidades. Houve partes do percurso que me esqueci de mim para interiorizar e reter na memória aquilo que considerava uma dádiva de Deus, uma paisagem deslumbrante que me permitia sonhar.
    Claro que nem tudo foi fácil, mas valeu todo o esforço e empenho.

  • Photo of AliceLigeiro
    AliceLigeiro Dec 3, 2021

    I have followed this trail  View more

    Percurso muito bem marcado e de beleza ímpar. A dificuldade só advém do relevo do terreno. No entanto estava à espera de maiores dificuldades. Adorei este percurso.

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