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Caminho Primitivo - 7ª Etapa (Fonsagrada - O Cádavo)

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Trail stats

Distance
15.22 mi
Elevation gain
2,421 ft
Technical difficulty
Difficult
Elevation loss
3,202 ft
Max elevation
3,371 ft
TrailRank 
77 5
Min elevation
2,199 ft
Trail type
One Way
Moving time
5 hours 27 minutes
Time
8 hours 51 minutes
Coordinates
4266
Uploaded
September 22, 2021
Recorded
September 2021
  • Rating

  •   5 1 review
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near Fonsagrada, Galicia (España)

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Itinerary description

Seis e quarenta e cinco da manhã. Alguns peregrinos já saíram outros dormem ainda. Saio à frente dos meus companheiros e dirijo-me de imediato à Fonte, a fonte que terá dado origem ao topónimo Fonsagrada. Ontem não tivemos oportunidade de vir até aqui. Hoje não quis ir sem que a visse. Toca o telemóvel. São os meus companheiros querendo saber onde estou e dizer-me que estão no café para tomar o pequeno almoço. Vou ter com eles. Depois continuarei...
Cá vamos, Calle Mayor adiante, com a manhã já bem desperta. Foge-me o pensamento para a fonte, a Fons Sacra ou "sacrata" que, esquecida parece estar, humildemente colocada atrás de uma igreja que lhe quis tirar a natural primacia de quem à terra deu o nome. Desde 1882, transfigurada, vestiu de granito e nela colocaram as imagens que não identifiquei. Recordo as várias versões da lenda associada à sagrada fonte. Tão díspares que são, tiram veracidade ao imaginário, tradicionalmente popular, e criam a ideia que cada um inventa uma versão. Liberta-se então também a minha imaginação girando à volta do que li. Acompanhem-me...
"Crepitava a lareira consumindo as últimas achas da madeira rachada na véspera. Dois dias havia que a neve não parava de cair. Se no dia anterior ainda se conseguia sair, agora a altura da neve tornava quase impossível por um pé na rua. O vento assobiava nas frinchas da porta e janelas como uivo de lobos.
Marica embalava o pequeno Faolán, aninhado no seu colo e enrolado ao xaile grosso de lã, puído pelo tempo e uso. Vindos da enxerga encostada à parede de pedra, escutava-se a tosse e os gemidos surdos de Martel que se ia contorcendo de dor, consumido pela febre que o não abandonava. Marica torceu o farrapo molhado e, com o filho ao colo, foi trocá-lo pelo outro já aquecido na testa do seu homem. Quantos dias já passados sem que se vissem melhoras?... Marica perdera-lhes a conta.
Na panela de ferro de três pés ferviam as berças e últimas favas que tinha. Seriam a ceia daquele dia e no dia seguinte se veria. Também o pão se acabara na arca. Restava uma côdea em cima da mesa. Com a pouca farinha que tinha, Marica preparou-se para fazer o último pão que cozeria no lar depois que restassem somente brasas. Não queria antecipar a desgraça e negava-se ao desespero, tão pouco às lágrimas. Pousou Faolán na alcofa, despejou a farinha no alguidar e ia começar a amassar quando bateram à porta. Quem poderia ser numa noite destas?... só podia ser alguém que precisava de ajuda. Sem hesitar pegou na candeia e abriu o postigo. Um romeiro de longas barbas, com ar muito cansado e um olhar meigo, apoiado num bastão de onde pendia uma cabaça, com um chapéu de largas abas com pingentes gelados escorrendo a água da neve que ia derretendo, vestindo uma capa de estopa sobre uma túnica de lã grossa atada à cintura com corda de cânhamo e uma vieira pendurada por um fio de cabedal, estava ali diante da porta. Aquele olhar inspirou-lhe confiança. O romeiro tirou o chapéu e pediu, com voz enrouquecida mas muito suave, que lhe permitisse entrar para descansar ao abrigo da borrasca. Marica franqueou-lhe a entrada abrindo a porta. Naquele momento Martel deixou de tossir e gemer adormecendo com respiração cadenciada como há muito se não ouvia. Marica convidou o romeiro a sentar-se no banco junto à lareira. Disse-lhe que estava a fazer uma sopa com as últimas favas e berças para a ceia e ia cozer um pão com o resto da farinha da arca que partilharia com ele. Pergunta-lhe o romeiro o que comeriam no dia seguinte. Marica responde que mais nada tendo nada comeriam e esperariam porventura a morte. Fala-lhe o romeiro de um rabi que amou os pobres e desprotegidos, curou doentes, foi morto, ressuscitou e que continua entre nós se tivermos fé e a todos amarmos como Ele nos amou.
Encostada a Martel, Marica sonhou com o rabi que falava de amor. De manhã acordou com Faolán a chorar. O romeiro já acordado diz-lhe que lhe dê leite. Marica responde que não tem. Diz-lhe o romeiro que vá buscar água à fonte. Marica vai e, quando coloca a cantarinha a encher, da fonte sai leite e quando a tirou voltou a correr água. Marica regressa a casa com a cantarinha de leite e já não encontra o romeiro. Martel está acordado e curado. A neve parou e o dia de sol radioso trouxe de novo a esperança a Marica. A Fonte continuou a jorrar leite sempre que a cantarinha na bica era de alguém que dele precisava. Espalhou-se nas redondezas a fama da Sacra Fonte e o povoado cresceu, cresceu e... foi esquecendo."
Acordo!... sem consciência do caminho andado tenho à minha frente a igreja de San Xuán de Padrón. Esta foi terra da Ordem do Hospital ou de Malta, também conhecida como "Os Cavaleiros da São João de Jerusalém". Em caminho algum encontrei tantos testemunhos da presença dos Hospitalários como neste. Estavam os Cavaleiros de São João encarregados da proteção e abrigo dos peregrinos nas rotas de Jerusalém e de Santiago e, por isso, foram criando hospitais ao longo dos caminhos para abrigo e cuidado dos peregrinos. Padrón pertenceu à "Encomienda de Portomarín". Portomarín era um lugar estratégico na idade média devido à ponte romana que atravessava o rio Minho no Caminho Francês de Santiago. No primeiro quartel do séc. X já lá existia o mosteiro de Santa Mariña. Em 1102 o mosteiro pertencia à infanta Urraca de León e o seu neto Fernando II o doou, conjuntamente com outros bens, à Ordem do Hospital. Os Hospitalários fundaram neste local um hospital para assistir os peregrinos do Caminho Francês. A comenda de Portomarín converte-se então num centro muito importante, fundamentalmente devido às doações de terras, igrejas,, rendas e outros bens que reis e pessoas de grandes posses lhe foram fazendo. Foi a esta comenda de Portomarín que pertenceu esta igreja de San Xuán e o hospital de O Padrón. Na lateral da igreja existe uma pedra lavrada com a Cruz de Malta. Damos a volta, mas a igreja encontra-se ainda encerrada. Não perdemos tempo e continuamos caminho.
Saímos de Padrón por um belíssimo caminho rural, com um muro a separar-nos dos prados verdes. À esquerda corre a LU-530. Não a vemos mas sentimos a sua presença. entramos num bosque. Há carvalhos com pinheiros e castanheiros à mistura e muitos fetos. O caminho é de cascalho, bom para os tratores mas menos bom para quem caminha. Atravessamos a LU-530, passamos em frente ao cemitério. Um como este será o nosso destino mas não agora e nem voluntariamente. Lembramos aqueles que enquanto formos vivos não morrerão. A seta no muro indica-nos o caminho que atravessa o pinhal em frente. O cheiro característico dos pinheiros lembra outros pinhais agora distantes em espaço e tempo.
Acaba-se o pinhal e estamos de novo na LU-530. Vínhamos a conversar mas agora caminhamos na berma em fila indiana. O pinhal continua à nossa esquerda. As mesas plantadas com bancos numa zona de merendas convidam ao descanso mas ainda é cedo. Um mojón do outro lado da estrada indica-nos novo caminho no pinhal. Entramos neste ao som do grasnar dos corvos.Este som rouco é dos poucos sons de aves que temos ouvido.
Ali atrás voltámos a cruzar a LU-530, já perdi a conta às vezes que passámos por esta estrada, agora caminhamos num encantador bosque de carvalhos e castanheiros. Talvez pelo ambiente silencioso do bosque, talvez porque se esgotaram os temas das conversas ou talvez por necessidade, distanciamo-nos uns dos outros. Vou pensando no caminho percorrido e o que nele fomos encontrando mas, mais depressa caminha o pensamento do que as pernas, corre agora o meu pensamento outras rotas já caminhadas e comparo-as com esta. Depois penso no que falta andar até ao objetivo. Depois... Maldita LU-530, cá estás tu de novo. Atravessamo-la uma vez mais. Assim mandam os sinais do Camino mas há peregrinos que preferem o asfalto e seguem pela estrada ignorando as setas, os mojónes e os perigos. Tropeço, porra!... ia caindo.
O que estava mesmo a dizer?... bem, não interessa. Cá vamos, entre prados ou pinhais, por caminhos de terra ou lajeados, subindo umas vezes outras descendo, umas vezes juntos conversando outras separados e meditativos.
Passámos junto a Pedrafitelas, atravessámos outro "piñeiral", um caminho pedonal novo lageado, carreiros ladeados de velhos muros de pedra e agora passamos Montouto. Uma aldeia ganadeira como outras, muitas, que passámos já. Telhados de "pizarra" e muros de xisto. Cheiro a estrume e ruas acimentadas e atapetadas de bosta. Uma singularidade apenas, foi ela que deu nome ao Real Hospital de Santiago de Montouto.
Subimos a Serra do Hospital e protegemo-nos do vento no alpendre da Capela de Santiago. Já li que esta capela pertencia ao hospital mas li também, noutro documento (?) que foi construída em 1990. Parece-me mais a 2ª hipótese. Seja como for, a partir de 1990 faz-se aqui uma romaria no dia 25 de julho, dia de Santiago.
Olho para as ruínas do velho hospital, que diz-se ter sido o último ao serviço dos peregrinos do Caminho Primitivo, estando ainda em funcionamento em meados do século passado, e entristeço. Aquelas ruínas terão histórias que ninguém conta. Deixo os meus companheiros a comer junto aos santinhos da capela e vou dar uma vista d'olhos. O Caminho empedrado, dos lados e por baixo, que vem da Proba de Burón, atravessa as velhas pedras. Nada já é identificável pelo estado em que se encontram os edifícios. Busco informação na internet. Fico a saber que seriam quatro pequenos edifícios, unidos entre eles, com cobertura de palha e ardósia. Além dos dormitórios teria cozinha, estábulo e uma pequena capela dedicada a Santiago. A data da fundação do hospital terá sido 1357, por ordem de Pedro I "O Cruel", inicialmente construído junto do menhir de Peña Labrada. Os edifícios cujas ruínas se veem aqui datarão de 1698, transladados por determinação de Carlos II, para este lugar onde se encontram as duas variantes "del Camino Francisco" (interessante designação que advém do facto de se chamar originalmente "caminho francês" e só mais tarde passar a designar-se Caminho Primitivo), o caminho original que passa pela Proba de Burón e esta variante de Fonsagrada. Numa carta, Carlos II estabelece que o hospital tem «la obligatión de recoger y tratar a los pobres peregrinos que llegaren a el con todo amor y piedad». Nessa mesma carta pede o monarca que, em noites de inverno se toquem os sinos «para que sirva de guía a los peregrinos y pasajeros, y no perezcan com la obscuridad y rigor del tiempo, y el hospital haga buenas lumbres para que se enjuguen los pobres y no entren mojados en las camas».
Fecho a app no telemóvel, passo entre as ruínas e sigo alguns metros pelo caminho, empedrado e ladeado de muros, no sentido de A Proba. A minha intenção é a de ir ver o Dolmen de "Pedras Dereitas", restos de necrópole megalítica, que se encontra por trás, no meio do prado. Salto o muro e aproximo-me. Estas estruturas megalíticas, por admiráveis que são, deixam-me estupefato, não só pela dimensão mas pelo respeito que teriam os povos pré históricos pela vida para celebrar assim a morte. Olho as penas do Pico da Lagoa Seca que, quando para lá transladaram o posto de vigilância do Muradal, lhe mudaram o nome. Lá em cima uma ave de rapina sobrevoa-o sem bater as asas.
Regresso. Os meus companheiros comem descansados e acompanhados por três jovens peregrinos catalães. Acabamos de comer e partimos todos. Uma manada de vacas atravessa à nossa frente. O pastor entabula conversa com os peregrinos espanhóis e aponta os pontos que daqui se avistam e onde teremos de passar. Segundo ele vamos ter que subir até ao Alto da Fontaneira mas que não nos assustemos porque «no pasa nada». As vacas lá vão sozinhas em direção ao prado na encosta à nossa direita.
Deixamos o pastor e seguimos serra abaixo com "A Carba" à esquerda e um profundo vale à direita para onde se estendem nossos horizontes de paisagem belíssima.
Por caminho largo em terra batida, atravessámos pinhais e bosques de carvalhos e castanheiros, descendo... descendo... descendo... os músculos das pernas parecendo cordas de viola... e agora chegamos a Paradavella. A Casa Mesón tem uma fita vermelha e branca negando-nos a paragem. Seguimos caminho com esperança de encontrar outro lugar onde se possa beber uma "Estrella Galicia" porque de água estamos fartos. Atravessamos a LU-530 uma vez mais e seguimos pelo passeio lageado. A Casa Villar também está "cerrada". Não se vê vivalma. Continuamos estrada abaixo mas já menos esperançosos de encontrar sítio onde matar esta vontade de beber algo que tenha sabor, preferencialmente a cevada fermentada e lúpulo. A aldeia que tinha 52 habitantes no início do século, tem agora menos de metade. As habitações mais antigas são em xisto com telhados em "pizarra". Há uma que se destaca pela arquitetura com planta quase circular. Chama-se por aqui "cabanón". Segue-se um velho casarão com três janelas, uma ao nível da rua gradeada a ferro, e um portal com telhado sobre grossas traves de carvalho. Lá dentro, num pátio rural, um velho hórreo bem cuidado.
Tristemente vemos a última casa da povoação e nada de bares abertos. Abrigamo-nos junto à parede dessa última casa, pauso o GPS, tiramos as mochilas para descansar as costas, comemos uma bucha e, desconsolados, bebemos água para desembuxar.
Quinze minutos passaram e eis-nos a colocar de novo as mochilas onde elas já se habituaram a andar. Logo aqui um mojón tira-nos da LU-530. Acabou-se a grande descida, vamos agora a subir. Velhos muros, musgo, carvalhos, alguns castanheiros e muitos fetos pintam de verde este belíssimo "sendero" que sobe a encosta de "A Serra de Lastra".
Atraso-me e deixo que os meus companheiros se afastem um pouco. Mergulho no silêncio deste bosque e, finalmente, ouço pássaros. Um pisco e um tentilhão cantam perto. Dou por mim a achar que soam algo diferente daqueles que vou ouvindo em Portugal. Já uma vez perguntei:
será que as vozes das aves têm idiomas diferentes de região para região?... agora ouço o som de um regato, uma brisa suave agita os altos ramos da floresta. Esta sussurrada sinfonia enche-me a alma. Caminho pousando devagar cada pé para não introduzir ruído mas dou por mim a achar que o som cadenciado dos meus passos nas folhas caídas completa a partitura. Espanto!... agora também sou músico!...
Olha quem ali vem!... M. vem só, devagar e a coxear. A descida contínua desde o alto do Hospital até Paradavella deixou-lhe uma marca dolorosa "en la rodilla". Camihamos juntos durante um pouco. Convenço-a a aceitar o empréstimo da minha joelheira. Fica-lhe demasiado grande. Coloca-a por cima das calças. «Por poco que haga es mejor que nada» — diz.
M. fica para trás caminhando consigo própria, física e espiritualmente. Eu caminho mais rápido para alcançar os meus companheiros, deixando para trás o encanto do silêncio e da "música" do bosque e uma jovem coxeante fazendo um caminho de busca. Encontro-os descansando numas velhas ruínas com três dos jovens peregrinos catalães, que partem quando chego. J. pergunta quanto falta para andar. Olho o GPS e digo uma asneira. Esqueci-me de desligar o modo "pausa" quando saímos de Paradavella. Chateado que nem uma barata anulo o modo de pausa. Pronto, o caminho de Paradavella até aqui fica resumido a uma linha reta. Abalamos.
A LU-530 aparece de novo e nós voltamos a atravessá-la. Entramos no concelho de Baleira pela Degolada. Quis saber a origem de tão sinistro nome. Imaginei uma história "de faca e alguidar" mas fiquei surpreso porque o nome nada tem que ver com isso mas antes com o facto de estar situada na passagem de um alto. "Degolar" significa isso, passar um alto. Fiquei a saber também que este lugarejo está documentado desde o séc. XIII e que na idade média se chamaria "Parada Decollata".
Passo, sem me aperceber, pela igreja Paroquial de S. Lourenço e dou por ela quando olho para trás. À nossa direita outra "cabaña" de xisto, circular e com telhado de ardósia. Agora, mesmo colado ao caminho e à altura dele, outro, mas grande, telhado de ardósia (pizarra). O edifício a que pertence, o último da aldeia, não se vê mas sabemos (não sabemos?...) que deverá estar por baixo do telhado.
Há algum tempo já que caminhamos por esta encosta, densamente boscosa, onde predominam as espécies autótones, até teixos por aqui já vi. O carreiro tem partes em que parece percorrer um túnel, tal é a vegetação. Sente-se a ancestralidade deste caminho. Os velhos carvalhos, os muros de pedra musgados e o próprio silêncio a que, inconscientemente, nos votámos falam-nos de velhos arrieiros, almocreves, romeiros, saltimbancos e peregrinos. Andarilhos que foram calcando estas terras rubras, desfiando cansaço, amargura e esperança; levando ou levados por sonhos, necessidades e promessas; construtores de civilizações e cultura.
Vimos a subir "A Costa do Sapo" há tempo suficiente para doerem os músculos cansados e ter a garganta seca. Mas cá vamos andando... devagarinho. No cimo desta ladeira espera-nos "A Lastra" e nós esperamos que lá exista um bar ou restaurante.
Acabou a subida. Entramos de novo na LU-530. A Lastra é ali. Está um bar à vista. O quê?... estão a brincar connosco?... também fechado?... bolas!
Desanimados continuamos caminho. Eh lá! Aqui há outro bar e está aberto, é o Xestoso. Sentamo-nos "en la terraza", sob um guarda-sol. Esperamos. A nosso lado senta-se um casal de peregrinos
que fala inglês. Somos atendidos por uma senhora mal disposta e muito apressada porque tem outros clientes na cozinha. Pergunto se tem grelhados. Diz que não. Pergunto se tem carne de "ternera". Diz que não. Pergunto se tem "pollo". Diz que não. Desanimado pergunto o que tem. «Tortilla de patata». Os meus três companheiros vão na tortilla. Eu insisto: — estou mal do estômago, não posso comer ovos, o que me pode arranjar? — «tomate con queso fresco, quieres? — Sim, gracias. E quatro Estrella Galicia, por favor.
Sete ou oito minutos depois chegavam as cervejas e as tortillas. Pouco depois o tomate com queijo fresco temperado com azeite e ervas aromáticas. Começa então outra cena. A senhora dirige-se ao casal nosso vizinho que lhe pede «two grilled steak with fries, please». «Qué?...». Repete o senhor o pedido tentando "ablar" «uno vaca filet », resposta imediata «no intiendo, abla español». Tento ajudar.— Quieren bistec con patatas fritas.— de imediato — «No tengo.» — tento de novo — un filete de ternera? — Ainda nem acabado de falar eu tinha e já a resposta chegava — «No tengo.» O senhor decide-se e, olhando e apontando para o meu prato, diz — «Equal». A senhora entendeu logo e pergunta — «Para beber?...» — « cerbeça!»
Está uma delícia o tomate com o queijo. Decerto que são caseiros. Os meus companheiros dizem que a tortilha também está boa.
Aí vem a senhora com a refeição dos nossos vizinhos e pousa dois pratos de tortilha de batata à frente de um casal de olhos arregalados pois estavam à espera de tomate com queijo fresco. Encolhem os ombros e experimentam a tortilha.
Vamos conversando entre mesas. Rimo-nos do serviço e da confusão. Ficamos a saber, entre outras coisas, que o casal é irlandês. Saiem antes mas não sem a gentileza de oferecer um chocolate que, partido, deu um bocado a cada um de nós e outro ainda para a M. que chegara entretanto. Desejamos "buen camino" ao simpático casal e daí a pouco saímos também.
Atravessámos A Lastra pela omnipresente LU-530 e já vamos subindo agora por caminho cimentado. A última casa do povoado tem "un cabañon y establos" e são estes que me chamam a atenção pelos objetos que tem junto à parede, sobretudo aquela enorme roda que não consigo perceber de que viatura ou engenho seria. Atrai-me também a atenção a velha e carcomida portada da janela, segura por gancho de ferro. São pormenores que me reportam a tempos idos e arrumados nos recônditos da memória.
É dura a subida. Espera-nos, lá em cima, A Fontaneira. Recordo a conversa com o pastor de vacas de Montouto que dizia «se sube al Alto de Fontaneira pero no tengas miedo, no pasa nada». "No pasa nada" para quem sobe e desce montes diariamente atrás das vacas, mas para estes cansados peregrinos "pasa todo".
Estendem-se de novo os nossos horizontes e enchem-se nossos olhos com a beleza das paisagens. E sentimos na alma a admiração pela obra da criação e no corpo o alívio do cansaço. Bem hajas, meu Deus!
Retomamos caminho serra acima com ânimo.
De novo a LU-530 suporta nossos passos e nossas pernas suportam a dureza do asfalto.
Chegámos a Fontaneira, "Fuente del Neira". À esquerda o vale do rio Neira e ao longe as montanhas do sul. Adentramo-nos em terras "lucenses". A igreja de Santiago aparece logo aqui à nossa direita, rodeada de árvores, data de 1802 e foi construída no lugar de uma capela medieval, que aqui existiu e pertencia à "Casa do Hospital" que por sua vez, existiu no edifício que se encontra em frente e que hoje é a "Casa o Bortelón". Continua a dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, a diferença estará nos lucros.
Subo as escadas mas a igreja está fechada. Santiago lá dentro, em imagem, e eu cá fora, com uma porta pelo meio, somos prisioneiros das razões de uma pandemia. Dirijo-lhe a minha prece e marcamos encontro para daqui a seis ou sete dias no local onde, se acredita, repousam as suas mortais relíquias.
A maioria das casas por que passamos na povoação são construídas em pedra, típicas da região mas com telhados já de telha normal. Deixamos a LU-530 e entramos em mais uma cimentada rua. Encontramos aqui um pequeno hórreo com cobertura de palha. Recordo-me de o ter visto em fotos quando preparava esta jornada.
Saímos de Fontaneira junto ao cemitério e entrámos em caminho de terra. Passámos prados e pinhais; entrámos na LU-530 e voltámos a sair; umas vezes descendo e outras subindo; juntos a conversar ou separados meditando; ganhámos uma companheira porque M., um pouco melhor do joelho, se juntou a nós.
Agora, olhando este caminho retilíneo que se estende à nossa frente, recordo que li algures que o monte que ali iremos subir se chama o "Monte da Matanza" por estar associado a uma lenda que, como muitas outras, poderá ter por base factos históricos. Diz-se que por aqui existiu um santuário construído na encosta onde o sangue, de sangrenta batalha travada entre as tropas de Afonso II e o exército muçulmano, escorreu ladeira abaixo. O certo é que se têm encontrado por aqui vestígios próprios de um campo de batalha: espadas, armaduras e sepulturas.
Caminho atrás dos meus companheiros meditando nas guerras que se travaram e vão travando e no que as pode motivar. Porque raio têm os homens necessidade de se impor pela força a outros homens?...
Tais foram meus pensamentos, que sem por isso ter dado, se foi desfiando o caminho. E é assim que chegamos a "O Cádavo, capital do concelho de Baleira. O Albergue de O Cádavo é já aqui. Entramos. O hospedeiro não está. Um letreiro na porta diz que ocupemos as camas vagas. Existem quatro. Como M. chegou connosco não há camas para os cinco. Insistimos com M. para que fique e nós telefonamos para a Casa San Mateo e reservamos 4 camas.
Um quarto de hora, depois de muito bem sermos recebidos pela proprietária, somos conduzidos a uma asseadíssima camarata, dividida em duas partes, com instalações sanitárias exclusivas.
Com este agrado finalizou esta dura etapa. Sento-me na cama e dou graças.

Waypoints

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Fons Sacra

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Igreja de San Xuán de Padrón

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Photo ofEntrando no pinhal ao som do grasnar dos corvos

Entrando no pinhal ao som do grasnar dos corvos

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Atravessando um velho bosque

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Quando disso sentimos necessidade afastamo-nos

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Photo ofÀ esquerda a pradaria e à direita corta-se um pinhal Photo ofÀ esquerda a pradaria e à direita corta-se um pinhal Photo ofÀ esquerda a pradaria e à direita corta-se um pinhal

À esquerda a pradaria e à direita corta-se um pinhal

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Photo ofAtravessando prados Photo ofAtravessando prados Photo ofAtravessando prados

Atravessando prados

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Photo ofDe novo juntos entramos noutro pinhal

De novo juntos entramos noutro pinhal

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Photo ofVelhos caminhos subindo a Serra do Hospital

Velhos caminhos subindo a Serra do Hospital

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Photo ofCaminhos ancestrais

Caminhos ancestrais

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Ao abrigo da ermida do Hospital

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Photo ofRuínas do Hospital do Montouto e dólmen das 'Pedras Dereitas' Photo ofRuínas do Hospital do Montouto e dólmen das 'Pedras Dereitas' Photo ofRuínas do Hospital do Montouto e dólmen das 'Pedras Dereitas'

Ruínas do Hospital do Montouto e dólmen das 'Pedras Dereitas'

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Passando Paradavella

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Um 'cabañón' à saída do povoado

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Caminhos boscosos

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Um velho carvalho num trilho antigo

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Pormenores etnográficos num estábulo

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contemplando infindas paisagens

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Igreja de Santiago na Fontaneira

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Photo ofTípico 'cabañón' com cobertura de palha

Típico 'cabañón' com cobertura de palha

Comments  (1)

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    Delfim Nobre Feb 7, 2022

    Bem hajas amigo "Martel"! Que a "Marica" te acompanhe. 🙏

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