Da Lagoa Comprida ao Covão dos Conchos e volta
near Sabugueiro, Guarda (Portugal)
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Trail photos
Itinerary description
Estamos na Lagoa Comprida, a maior da Serra da Estrela. No covão original existiu um glaciar de cerca de 1km de comprimento que originou a lagoa. Em 1911 iniciou-se aqui a construção de uma barragem para produção de energia elétrica.
Em 1914 este paredão tinha apenas 6 m. Foi crescendo, Blocos de granito uns após outros tirados da pedreira que aqui ao lado está, e em 1934 já atingia os 15 m. Hoje tem exatamente a mesma altura que tinha em 1965, 28 m e, curiosamente, os últimos 3 m foram construídos nos verões de 1964, 1965 e 1966. Em Julho de 1968, foi batizada de Barragem Marques da Silva (fundador da EHESE) .
Saber que aqui pertinho existe o maior campo de blocos erráticos do país e a vontade de ver as paisagens lá em cima, levam-nos a subir aqui pela esquerda. Eis senão quando um dos elementos do grupo lança um desafio: — vamos até ao Covão dos Concho?...
Lembrei-me de conversa que tive com outro amigo, que foi mais ou menos assim:
- Não, pá, nunca lá fui!
- Mas é um sítio tão icónico da Serra e tu nunca lá foste?...
E agora, sem calçado apropriado, de roupa domingueira, numa de descontração total, um passeio do tipo "pousa aqui... pousa ali..." e não é que parece que vai ser desta?...
- São dois ou três quilómetros, vamos lá todos.
O desafio é de quem não é capaz de estar "quedo". E cá vamos...
- É por onde?... Eu não tenho rede... tens aí o trilho?... não?...
- Só pode ser por aqui. Vamos lá.
Ligo o Wikiloc para registar o percurso. Tenho GPS mas não tenho imagem satélite.
Contornamos a Lagoa Comprida no sentido dos ponteiros do relógio. O estradão muito frequentado dá-nos a ideia que é mesmo por ali. Pelo menos algo de especial há de haver para estes lados que leva as pessoas a percorrer este caminho e não vi quem estivesse equipado para fazer uma caminhada longa. Por isso a "coisa" deve estar perto.
A paisagem logo se encarregou de dissipar hesitações. Mesmo que por aqui não seja está a valer bem a pena esta caminhada. Sempre gostei de rochas e aqui há-as de incrível beleza. O sol radioso e belíssimo azul do céu e da água da lagoa estão em simbiose de deslumbramento. Esqueço-me de mim e comungo, em êxtase, desta beleza. Melhor só com neve. Este céu, esta cor, esta paz, este odor e esta maravilha de afloramentos graníticos, rochas aborregadas e blocos erráticos que os glaciares por aqui foram semeando, dão um incomensurável prazer aos olhos de quem ama a natureza e as formas com que se veste.
A urze ou torga pinta de rosa-forte a paisagem. A urze-branca ou urze-molar abunda também, o ouro das flores dos piornos e giestas é admirável mas o que mais me surpreende é o zimbro que se espalha em tufos verdes rente ao solo e dá um aroma inebriante a estes espaços. Uns quantos poucos pinheiros de casquinha, erguendo-se entre os rochedos, levam-me ao sonho de uma serra bosqueada destas e outras árvores. O carvalho negral e a azinheira abundariam nas zonas mais agrestes e, aqui junto às lagoas e lagoachos haveria bosques de bétulas e teixos.
Subimos penedos com estrias e caneluras que nos mostram em que sentido se foi deslocando o glaciar, colhendo paisagens sem preço. Sobe o olhar Serra acima e desce por vales sem fim. Lançamos um derradeiro olhar à esteira azul da lagoa e continuamos, de volta a um caminho, agora tropeçando nas pedras soltas pelas viaturas todo-terreno e lavadas pelos degelos.
Dois caminhantes já curtidos de muitas serras vêm em sentido contrário. - Vão ver o funil?... Não vão, já lá não está. Trouxemo-lo connosco.
— É longe? — perguntamos.
— Uns 5 kms. Vão lá que val a pena.
As pedras soltas do caminho continuam a combater os sapatos menos preparados para estas andanças.
— Tenho rede!...
— Vê onde fica.
— A direção é esta.
Saímos do caminho com intenção de atalhar na direção encontrada. Entramos num cervunal junto a um lagoacho. Não existem trilhos visíveis e eis-nos de volta ao caminho mas por pouco tempo. Um trilho à esquerda leva-nos até aos penedos altos junto à um declive na montanha. A paisagem é de uma beleza extraordinária. Lá em baixo existe uma lagoa e perto de uma dezena de pessoas junto dela. Será o Covão dos Conchos?... Questionamo-nos porque não se vê o desejado vertedouro. O desejo de chegar aumenta e porque não existem trilhos que nos permitam descer destes penedos voltamos ao caminho. Um outro pequeno trilho à esquerda e a vontade de ver cá de cima o grande funil leva-nos a outros grandes penedos aborregados. Subimo-los e, ainda que a vista da lagoa seja mais ampla, não temos sorte quanto à do vertedouro mas somos compensados com paisagens de sonho. Não teríamos tido este prazer não fora o desejo de observar cá de cima aquilo que, parece, só lá em baixo ser visível. Seguimos sobre os penedos tentando descortinar um tão desejado carreiro mas não há mesmo e temos que voltar ao malfadado caminho.
Pronto chegámos. Lá está. Mesmo no Cantinho da lagoa artificial, construída em 1955 para represar o excedente das águas da Ribeira das Naves e enviá-lo para a barragem da Lagoa Comprida. Para o efeito construiu-se um túnel de 1519m e, à entrada, permitindo escoar apenas a água excedente da ribeira, uma obra de engenharia surreal, parecendo saída de um filme de ficção científica, um portal para outra dimensão que as imagens de um drone revelaram ao mundo. Aqui está! Olho daqui, dali e dalém. Vou armazenando as imagens que o telemóvel me vai permitindo. A água escasseia, por isso imagino o que será quando há chuva intensa ou neve a derreter. Ficamos ali até que os outros companheiros chegam e depois, como crianças que receberam brinquedo novo, mostramos o que encontrámos.
No regresso apreciamos as paisagens como se a primeira vez fora.
Bendigo o Criador e agradeço a quem com engenho e arte vai acrescentando pinceladas que compõem este quadro tão belo.
Em 1914 este paredão tinha apenas 6 m. Foi crescendo, Blocos de granito uns após outros tirados da pedreira que aqui ao lado está, e em 1934 já atingia os 15 m. Hoje tem exatamente a mesma altura que tinha em 1965, 28 m e, curiosamente, os últimos 3 m foram construídos nos verões de 1964, 1965 e 1966. Em Julho de 1968, foi batizada de Barragem Marques da Silva (fundador da EHESE) .
Saber que aqui pertinho existe o maior campo de blocos erráticos do país e a vontade de ver as paisagens lá em cima, levam-nos a subir aqui pela esquerda. Eis senão quando um dos elementos do grupo lança um desafio: — vamos até ao Covão dos Concho?...
Lembrei-me de conversa que tive com outro amigo, que foi mais ou menos assim:
- Não, pá, nunca lá fui!
- Mas é um sítio tão icónico da Serra e tu nunca lá foste?...
E agora, sem calçado apropriado, de roupa domingueira, numa de descontração total, um passeio do tipo "pousa aqui... pousa ali..." e não é que parece que vai ser desta?...
- São dois ou três quilómetros, vamos lá todos.
O desafio é de quem não é capaz de estar "quedo". E cá vamos...
- É por onde?... Eu não tenho rede... tens aí o trilho?... não?...
- Só pode ser por aqui. Vamos lá.
Ligo o Wikiloc para registar o percurso. Tenho GPS mas não tenho imagem satélite.
Contornamos a Lagoa Comprida no sentido dos ponteiros do relógio. O estradão muito frequentado dá-nos a ideia que é mesmo por ali. Pelo menos algo de especial há de haver para estes lados que leva as pessoas a percorrer este caminho e não vi quem estivesse equipado para fazer uma caminhada longa. Por isso a "coisa" deve estar perto.
A paisagem logo se encarregou de dissipar hesitações. Mesmo que por aqui não seja está a valer bem a pena esta caminhada. Sempre gostei de rochas e aqui há-as de incrível beleza. O sol radioso e belíssimo azul do céu e da água da lagoa estão em simbiose de deslumbramento. Esqueço-me de mim e comungo, em êxtase, desta beleza. Melhor só com neve. Este céu, esta cor, esta paz, este odor e esta maravilha de afloramentos graníticos, rochas aborregadas e blocos erráticos que os glaciares por aqui foram semeando, dão um incomensurável prazer aos olhos de quem ama a natureza e as formas com que se veste.
A urze ou torga pinta de rosa-forte a paisagem. A urze-branca ou urze-molar abunda também, o ouro das flores dos piornos e giestas é admirável mas o que mais me surpreende é o zimbro que se espalha em tufos verdes rente ao solo e dá um aroma inebriante a estes espaços. Uns quantos poucos pinheiros de casquinha, erguendo-se entre os rochedos, levam-me ao sonho de uma serra bosqueada destas e outras árvores. O carvalho negral e a azinheira abundariam nas zonas mais agrestes e, aqui junto às lagoas e lagoachos haveria bosques de bétulas e teixos.
Subimos penedos com estrias e caneluras que nos mostram em que sentido se foi deslocando o glaciar, colhendo paisagens sem preço. Sobe o olhar Serra acima e desce por vales sem fim. Lançamos um derradeiro olhar à esteira azul da lagoa e continuamos, de volta a um caminho, agora tropeçando nas pedras soltas pelas viaturas todo-terreno e lavadas pelos degelos.
Dois caminhantes já curtidos de muitas serras vêm em sentido contrário. - Vão ver o funil?... Não vão, já lá não está. Trouxemo-lo connosco.
— É longe? — perguntamos.
— Uns 5 kms. Vão lá que val a pena.
As pedras soltas do caminho continuam a combater os sapatos menos preparados para estas andanças.
— Tenho rede!...
— Vê onde fica.
— A direção é esta.
Saímos do caminho com intenção de atalhar na direção encontrada. Entramos num cervunal junto a um lagoacho. Não existem trilhos visíveis e eis-nos de volta ao caminho mas por pouco tempo. Um trilho à esquerda leva-nos até aos penedos altos junto à um declive na montanha. A paisagem é de uma beleza extraordinária. Lá em baixo existe uma lagoa e perto de uma dezena de pessoas junto dela. Será o Covão dos Conchos?... Questionamo-nos porque não se vê o desejado vertedouro. O desejo de chegar aumenta e porque não existem trilhos que nos permitam descer destes penedos voltamos ao caminho. Um outro pequeno trilho à esquerda e a vontade de ver cá de cima o grande funil leva-nos a outros grandes penedos aborregados. Subimo-los e, ainda que a vista da lagoa seja mais ampla, não temos sorte quanto à do vertedouro mas somos compensados com paisagens de sonho. Não teríamos tido este prazer não fora o desejo de observar cá de cima aquilo que, parece, só lá em baixo ser visível. Seguimos sobre os penedos tentando descortinar um tão desejado carreiro mas não há mesmo e temos que voltar ao malfadado caminho.
Pronto chegámos. Lá está. Mesmo no Cantinho da lagoa artificial, construída em 1955 para represar o excedente das águas da Ribeira das Naves e enviá-lo para a barragem da Lagoa Comprida. Para o efeito construiu-se um túnel de 1519m e, à entrada, permitindo escoar apenas a água excedente da ribeira, uma obra de engenharia surreal, parecendo saída de um filme de ficção científica, um portal para outra dimensão que as imagens de um drone revelaram ao mundo. Aqui está! Olho daqui, dali e dalém. Vou armazenando as imagens que o telemóvel me vai permitindo. A água escasseia, por isso imagino o que será quando há chuva intensa ou neve a derreter. Ficamos ali até que os outros companheiros chegam e depois, como crianças que receberam brinquedo novo, mostramos o que encontrámos.
No regresso apreciamos as paisagens como se a primeira vez fora.
Bendigo o Criador e agradeço a quem com engenho e arte vai acrescentando pinceladas que compõem este quadro tão belo.
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Comments (8)
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Easy
Paisagens maravilhosas até ao Covão dos Conchos que só por si já vale bem a pena mas a vista do vertedouro supera tudo pela singularidade.
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Moderate
Perante a benção da Natureza, concluo que Deus existe. O acaso seria incapaz de criar algo tão belo e perfeito. Estes momentos, de preciosa partilha e amizade, inundam-me de gratidão pela Vida e fazem-me ter esperança no Homem, enquanto emanação do Criador.
Delfim, a minha gratidão pela tua amizade e companheirismo e também por este comentário tão próximo do meu sentir. Bem hajas. Um abraço, Amigo.
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Easy
Uma caminhada agradável.
Mário Silvestre, obrigado pelo comentário e avaliação do trilho.
Respeito a sua avaliação mas reparei que avaliou com nota negativa a dificuldade do trilho (2 estrelas para o item "Fácil de fazer") mas depois considera que o trilho é fácil. Penso que houve alguma confusão na avaliação deste item.
Avalia o item "Informações" com 3 estrelas, que tipo de informação acha que eu devia ter incluído na descrição?... Também avalia a Paisagem com 3 estrelas, acha mesmo que aquela paisagem só merece 3 estrelas?...
Bem haja e boas caminhadas.
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Easy to follow
Scenery
Easy
Fácil e muito intuitiva.
O covão é intrigante.
Bem haja, Rafael, pela avaliação. Reparo que o item "Informação" está a ser avaliado com 'nota" baixa. A informação disponível para trilhos não oficializados, certificados e marcados é aquela que nós, os que vamos publicando as nossas sensações ao longo dos caminhos, vamos escrevendo nessas publicações. Umas vezes mais pormenorizadas outras menos mas é a essas descrições que vamos atribuindo as nossas avaliações e não à falta de informação institucional que devia ou não existir ao longo dos percursos.
Renovo o meu "bem haja" e espero que tenha sido útil a publicação do trilho.
Boas caminhadas.
C Maria, nem imagina o quanto me apraz que haja caminheiros e só por isso, e para estimular alguém mais a que o faça, vou publicando algumas (poucas) das minhas caminhadas. A minha atenção fixa-se apenas na necessidade de melhoria, por isso se alguém atribui uma baixa avaliação a um item eu procuro saber o que melhor posso fazer. Só isso. Não me interessa a quantidade de estrelas da avaliação por mim mas sim o que posso fazer por aqueles que me seguem. A avaliação de uma caminhada determinará se mantenho ou retiro a publicação. Não interessa manter a publicação se as pessoas se sentem defraudadas quando fazem a mesma caminhada.
Terá reparado que, mais que informação técnica, a que escrevo na descrição das caminhadas exprimem estados de alma. É o que sinto e que eventualmente poderá levar outros a experimentar as mesmas vivências.
De qualquer modo, bem haja pela avaliação e comentário. Espero que a publicação tenha sido útil.