Finis Terrae - 2ª etapa (Negreira - Santa Mariña)
near Negreira, Galicia (España)
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Itinerary description
Negreira, capital de A Barcala, a Nicraria Tamara da antiga "Via Per Loca Marítima" que de Aquae Celenis (Caldas de Reys) seguia até Gradinmirum (Ponte Brandomil), é a maior povoação que atravessaremos neste caminho.
À nossa frente, no meio de um estreito jardim, estático no espaço e na postura, o velho peregrino em pedra talhado espera aqueles que chegando vão, não dando por que indiferentes partem por ele passando. Logo depois, centra uma rotunda a "Campesina Labrega" sobre uma fonte. Buscam as bestas a água espraiada, em jeito de regato, que hoje poupada foi. É um monumento à mulher esforçada, sacrificada mas indomada, que criava os filhos, cuidava da casa e de todos quantos nela habitavam no tempo que lhe restava da faina campesina dura e cansada.
Seguimos pela "Carreira de San Mauro". Ao fundo vêem-se já os arcos do Pazo do Cotón. Os arcos unem o "pazo" com a capela de San Mauro. San Mauro (ou Amaro), San Ero e o abade Virila partilham a lenda do longo sono que os levou ao paraíso quando escutavam o melodioso som de um rouxinol. Nada de estranho, também eu me sinto no paraíso quando os escuto cantar, só não acordo centenas de anos depois como a tais santos aconteceu.
Por baixo destes arcos passando, homenageia nosso espírito milhares de peregrinos que o fizeram antes, seguindo o "Camino Real" que a Finis Terrae conduzia.
descemos para o vale do rio Barcala. Num recanto aprazível damos de caras com um belo e dramático monumento dedicado aos corajosos imigrantes que, com determinação e a alma em sangue, tudo deixavam em busca de conseguir um futuro melhor para aqueles que para trás deixavam. Uma criança chora e, da janela pendurado tenta segurar o pai que, com olhos marejados, para trás não olha e a decisão não quebra. Dentro de casa fica a mulher mãe com um pequenino ao colo. Chora triste sem sonhar quanta tristeza mais terá de suportar. Belíssimo e dramático quadro a que Fernando García Blanco deu vida, porque este é um retrato de uma realidade de vida vivida e vida sofrida.
Passamos o Barcala. Logo, e apenas aqui, tomamos a decisão de seguir até Zas pela "Ruta dos tres pazos" que bordeia as margens do Barcala numa alternativa ao duro asfalto do caminho dito oficial. Confirmamos com madrugadora caminhante que faz seu exercício matinal - si, siempre adelante. Es muy belo.
Atrás dela seguimos.
Em silêncio temos vindo, com as janelas da alma escancaradas, absorvendo cambiantes de luz e a armonia dos sons da água e do canto das aves.
Curcita agora rouco um corvo de cima de um pinheiro, para lá da ripícola vegetação. À frente, na berma da estrada que iremos cruzar, uma peregrina fuma tirando prazer daquilo que a vai matando. Pergunta que caminho seguir. Elucidamos mas logo questionamos - where do you come from? - Russia but I'm living in Paris.- fica engasgada quando perguntamos o que pensa da guerra. Acaba-se a conversa, o cigarro apaga-se debaixo da sapatilha, puxa o carrinho onde transporta a mochila e parte com passo apressado. Lá ao fundo já se não vê a russa peregrina. A água do Barcala espelha mil cores. Os primeiros raios do sol penetram pela folhagem. As pegas saltitam à nossa frente. A obra divina oferece seus encantos e nós deixamo-nos encantar.
Já para trás ficou o Barcala e a beleza das suas margens. Subimos entre campos de cultivo. À frente vê-se Zas. Olho para trás. O vale do Barcala é de grande beleza mas não me permite o sol que ilustre esta minha opinião. Entroncamos no "camiño oficial". Meia dúzia de peregrinos por ele chegam ao mesmo tempo. A Igrexa de San Mamede aparece à direita. Templo humilde à semelhança do seu orago que pela mão de Deus foi salvo da água e levado ao Monte Algeo onde viveu despojado de tudo. Luz pouca haverá no interior deste velho e frio templo já que, para além do pequeno óculo da fachada, apenas uma minúscula janela ilumina o interior.
Porque o Wikiloc não permite mais que 50 os meus waypoints são ilustrações de zona. Por isso vou fotografando e comentando o que me chama a atenção. E agora é mais um de mil hórreos que encontrando vamos, mas este, junto a um milheiral, não sei se secará o grão dos próximos anos porque, de inclinado que está, já o escoram pranchas de madeira para o manter de pé. É a lei da vida que à morte nada nem ninguém escape, mas dói no corpo e na alma quando, para continuar, temos que ser escorados por muitos meios.
Entrámos em caminho rural. Caminhamos atrás e à frente de peregrinos. Agora ali, vem um homem em sentido contrário. Ainda não será muito velho. Curvado apoia-se em duas bengalas mas caminha determinado. Não é peregrino seguramente. Falamos em português emitando o sotaque galego:
- Olá. Então caminhando a quatro pés?...
- Pelo menos catro quilómetros todos dias.
Depois veio algo com que não contava:
- Carallo, eu riame dos que andaban. Agora eu son fodído, o doutor dixome que ande polo corazón.
Depois contou-nos que, por causa de dois enfartes, tinha três "stencils" no coração. Falámos de peregrinos, caminhos e caminheiros. Falámos de Portugal e "bacalau" e, quando lhe disse que devia usar bengalas mais altas para não dar cabo da coluna, diz:
- o melhor médico que temos somos nós. Camiño dobrado porque as rodillas están mal e para salvalos teño que andar curvado.
Deixámos José para trás, curvado caminhando para poupar joelhos, e vamos meditando nesta conversa e outras que vão sendo caminho caminhado na senda do conhecimento.
Entre carvalhos, castanheiros, pinheiros e eucaliptos, entre muros de pedra e pisando terra batida vamos caminhando com destino geográfico certo mas destino incerto no que aos caminhos do pensamento diz respeito.
Na renovada fonte de Rapote vários são os peregrinos que reabastecem seus cantis. Não sendo necessário fazê-lo seguimos em frente.
Saímos de Rapote mas não sem que fotografemos mais um belíssimo hórreo. Estivéssemos em terras Lusas e este seria um "canastro".
Caminhamos embrenhados numa carballeira pelos Montes de Santa Mariña.
Agora o "camino" cruza o Monte Españareiro ainda sombreado por lindo arvoredo.
Chegamos a Piaxe. Espreita-nos do alto o campanário da Igrexa de San Mamede da Pena e ali está um belo e típico cruzeiro do séc XIX. Ao longe, sobre os montes, vê-se o parque eólico do Corzán. Ares antigos e ventos modernos.
Passámos Portocamiño e atravessámos o Rego de Forxán e agora entramos na DP-5603.
O asfalto cansa as pernas e o espírito, tenho vindo calado interior e exteriormente. Apenas os olhos vão correndo paisagens sem registo na memória. E foi assim que chegámos a a Vilaserio. Depressa atravessamos a povoação e já vejo de novo o asfalto da DP-5603. Calo-me...
Estamos a chegar a O Cornado. O nome diz da atividade desta pequena aldeia ganadeira. Em extensas terras de pastagem perde-se o olhar pelas colinas ao redor. Vacas malhadas pastam mansamente mas em O Cornado parece não haver vacas com cornos, todas as que vemos são mochas da raça Frísia.
Um povoado romano terá existido aqui perto em O Castro. Guardaria já o povo de então vacas mochas?... anda-me o espírito a divagar sem juízo. Perdoem, às vezes acontece.
A esquadria geométrica dos campos emparcelados têm especial beleza mas obrigaram a que os caminhos tenham sido redesenhados de acordo com essa geometria. Retas grandes num carrocel de subidas e descidas. Os caminhos em terra batida ou "zahorra" não cansam tanto como o asfalto.
Vimos andando e, quase sem dar por isso, estamos a atravessar o Rego das Maroñas. Um pouco mais e estaremos em Santa Mariña.
Entrámos em As Maroñas e à nossa esquerda aparece um conjunto de hórreos centenários. Dois deles bem conservados e outro que conheceu melhores dias jaz em ruínas. Haja quem se compadeça.
Vemos ao longe a igreja de Santa Mariña das Maroñas mas não desviamos caminho seguindo para o albergue de Santa Mariña.
Nada costumo dizer sobre os albergues ou alojamentos onde ficamos mas hoje faço exceção porque a simpatia da hospedeira foi tal que não podia calar. Boa comida e boas instalações.
Mais um dia vivido nos caminhos de Finis Terrae. Deo Gratias.
À nossa frente, no meio de um estreito jardim, estático no espaço e na postura, o velho peregrino em pedra talhado espera aqueles que chegando vão, não dando por que indiferentes partem por ele passando. Logo depois, centra uma rotunda a "Campesina Labrega" sobre uma fonte. Buscam as bestas a água espraiada, em jeito de regato, que hoje poupada foi. É um monumento à mulher esforçada, sacrificada mas indomada, que criava os filhos, cuidava da casa e de todos quantos nela habitavam no tempo que lhe restava da faina campesina dura e cansada.
Seguimos pela "Carreira de San Mauro". Ao fundo vêem-se já os arcos do Pazo do Cotón. Os arcos unem o "pazo" com a capela de San Mauro. San Mauro (ou Amaro), San Ero e o abade Virila partilham a lenda do longo sono que os levou ao paraíso quando escutavam o melodioso som de um rouxinol. Nada de estranho, também eu me sinto no paraíso quando os escuto cantar, só não acordo centenas de anos depois como a tais santos aconteceu.
Por baixo destes arcos passando, homenageia nosso espírito milhares de peregrinos que o fizeram antes, seguindo o "Camino Real" que a Finis Terrae conduzia.
descemos para o vale do rio Barcala. Num recanto aprazível damos de caras com um belo e dramático monumento dedicado aos corajosos imigrantes que, com determinação e a alma em sangue, tudo deixavam em busca de conseguir um futuro melhor para aqueles que para trás deixavam. Uma criança chora e, da janela pendurado tenta segurar o pai que, com olhos marejados, para trás não olha e a decisão não quebra. Dentro de casa fica a mulher mãe com um pequenino ao colo. Chora triste sem sonhar quanta tristeza mais terá de suportar. Belíssimo e dramático quadro a que Fernando García Blanco deu vida, porque este é um retrato de uma realidade de vida vivida e vida sofrida.
Passamos o Barcala. Logo, e apenas aqui, tomamos a decisão de seguir até Zas pela "Ruta dos tres pazos" que bordeia as margens do Barcala numa alternativa ao duro asfalto do caminho dito oficial. Confirmamos com madrugadora caminhante que faz seu exercício matinal - si, siempre adelante. Es muy belo.
Atrás dela seguimos.
Em silêncio temos vindo, com as janelas da alma escancaradas, absorvendo cambiantes de luz e a armonia dos sons da água e do canto das aves.
Curcita agora rouco um corvo de cima de um pinheiro, para lá da ripícola vegetação. À frente, na berma da estrada que iremos cruzar, uma peregrina fuma tirando prazer daquilo que a vai matando. Pergunta que caminho seguir. Elucidamos mas logo questionamos - where do you come from? - Russia but I'm living in Paris.- fica engasgada quando perguntamos o que pensa da guerra. Acaba-se a conversa, o cigarro apaga-se debaixo da sapatilha, puxa o carrinho onde transporta a mochila e parte com passo apressado. Lá ao fundo já se não vê a russa peregrina. A água do Barcala espelha mil cores. Os primeiros raios do sol penetram pela folhagem. As pegas saltitam à nossa frente. A obra divina oferece seus encantos e nós deixamo-nos encantar.
Já para trás ficou o Barcala e a beleza das suas margens. Subimos entre campos de cultivo. À frente vê-se Zas. Olho para trás. O vale do Barcala é de grande beleza mas não me permite o sol que ilustre esta minha opinião. Entroncamos no "camiño oficial". Meia dúzia de peregrinos por ele chegam ao mesmo tempo. A Igrexa de San Mamede aparece à direita. Templo humilde à semelhança do seu orago que pela mão de Deus foi salvo da água e levado ao Monte Algeo onde viveu despojado de tudo. Luz pouca haverá no interior deste velho e frio templo já que, para além do pequeno óculo da fachada, apenas uma minúscula janela ilumina o interior.
Porque o Wikiloc não permite mais que 50 os meus waypoints são ilustrações de zona. Por isso vou fotografando e comentando o que me chama a atenção. E agora é mais um de mil hórreos que encontrando vamos, mas este, junto a um milheiral, não sei se secará o grão dos próximos anos porque, de inclinado que está, já o escoram pranchas de madeira para o manter de pé. É a lei da vida que à morte nada nem ninguém escape, mas dói no corpo e na alma quando, para continuar, temos que ser escorados por muitos meios.
Entrámos em caminho rural. Caminhamos atrás e à frente de peregrinos. Agora ali, vem um homem em sentido contrário. Ainda não será muito velho. Curvado apoia-se em duas bengalas mas caminha determinado. Não é peregrino seguramente. Falamos em português emitando o sotaque galego:
- Olá. Então caminhando a quatro pés?...
- Pelo menos catro quilómetros todos dias.
Depois veio algo com que não contava:
- Carallo, eu riame dos que andaban. Agora eu son fodído, o doutor dixome que ande polo corazón.
Depois contou-nos que, por causa de dois enfartes, tinha três "stencils" no coração. Falámos de peregrinos, caminhos e caminheiros. Falámos de Portugal e "bacalau" e, quando lhe disse que devia usar bengalas mais altas para não dar cabo da coluna, diz:
- o melhor médico que temos somos nós. Camiño dobrado porque as rodillas están mal e para salvalos teño que andar curvado.
Deixámos José para trás, curvado caminhando para poupar joelhos, e vamos meditando nesta conversa e outras que vão sendo caminho caminhado na senda do conhecimento.
Entre carvalhos, castanheiros, pinheiros e eucaliptos, entre muros de pedra e pisando terra batida vamos caminhando com destino geográfico certo mas destino incerto no que aos caminhos do pensamento diz respeito.
Na renovada fonte de Rapote vários são os peregrinos que reabastecem seus cantis. Não sendo necessário fazê-lo seguimos em frente.
Saímos de Rapote mas não sem que fotografemos mais um belíssimo hórreo. Estivéssemos em terras Lusas e este seria um "canastro".
Caminhamos embrenhados numa carballeira pelos Montes de Santa Mariña.
Agora o "camino" cruza o Monte Españareiro ainda sombreado por lindo arvoredo.
Chegamos a Piaxe. Espreita-nos do alto o campanário da Igrexa de San Mamede da Pena e ali está um belo e típico cruzeiro do séc XIX. Ao longe, sobre os montes, vê-se o parque eólico do Corzán. Ares antigos e ventos modernos.
Passámos Portocamiño e atravessámos o Rego de Forxán e agora entramos na DP-5603.
O asfalto cansa as pernas e o espírito, tenho vindo calado interior e exteriormente. Apenas os olhos vão correndo paisagens sem registo na memória. E foi assim que chegámos a a Vilaserio. Depressa atravessamos a povoação e já vejo de novo o asfalto da DP-5603. Calo-me...
Estamos a chegar a O Cornado. O nome diz da atividade desta pequena aldeia ganadeira. Em extensas terras de pastagem perde-se o olhar pelas colinas ao redor. Vacas malhadas pastam mansamente mas em O Cornado parece não haver vacas com cornos, todas as que vemos são mochas da raça Frísia.
Um povoado romano terá existido aqui perto em O Castro. Guardaria já o povo de então vacas mochas?... anda-me o espírito a divagar sem juízo. Perdoem, às vezes acontece.
A esquadria geométrica dos campos emparcelados têm especial beleza mas obrigaram a que os caminhos tenham sido redesenhados de acordo com essa geometria. Retas grandes num carrocel de subidas e descidas. Os caminhos em terra batida ou "zahorra" não cansam tanto como o asfalto.
Vimos andando e, quase sem dar por isso, estamos a atravessar o Rego das Maroñas. Um pouco mais e estaremos em Santa Mariña.
Entrámos em As Maroñas e à nossa esquerda aparece um conjunto de hórreos centenários. Dois deles bem conservados e outro que conheceu melhores dias jaz em ruínas. Haja quem se compadeça.
Vemos ao longe a igreja de Santa Mariña das Maroñas mas não desviamos caminho seguindo para o albergue de Santa Mariña.
Nada costumo dizer sobre os albergues ou alojamentos onde ficamos mas hoje faço exceção porque a simpatia da hospedeira foi tal que não podia calar. Boa comida e boas instalações.
Mais um dia vivido nos caminhos de Finis Terrae. Deo Gratias.
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