Finis Terrae - 4ª etapa (Dumbría - Muxía)
near Dumbría, Galicia (España)
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Trail photos
Itinerary description
O céu coberto de uma diáfana névoa começa a clarear quando abandonamos o multicolor e moderno Albergue O Conco. A frescura matinal obriga a fechar bem os casacos. A luz amarela dos candeeiros ilumina o belo espaço ajardinado que atravessamos para entrar na já familiar DP-3404. Passamos a ponte sobre o Rego de Cheo e subimos para a Grixa. À direita aparece um belo cenário: um hórreo em primeiro plano, um cruzeiro no meio do adro e a igrexa de Santa Baia, tudo iluminado com simplicidade e gosto. Dirijimo-nos à igreja e apreciamos a fachada antiga onde a imagem que ocupa o centro é a da Santa Baia (para os galegos) ou Eulália (para o resto do mundo) que por saber falar é a padroeira dos oradores mas por não saber estar calada foi martirizada até à morte ainda criança. Natural da Emerita Augusta romana é idolatrada em Oviedo onde se encontram os seus restos mortais. Na dextra Coluna que ladeia o portal barroco de duas arquivoltas está um São Cristóvão com as chagas das setas que o tempo se encarregou de derreter para que não sofra na pedra as dores que na carne sofreu. Do outro lado o santo não identifico por tão carcomida estar já a pedra. A porta fechada proíbe que entre. Hoje, pelo cedo que é, compreendo, mas ontem vim aqui durante a tarde e a porta fechada estava. Os homens já não franqueiam a casa de Deus. Para que não sejam furtados os bens temporais furtam-se os espirituais. Aprisiona-se um deus comezinho atrás de portas impedindo a quem necessita o acesso a um lugar de meditação e encontro. Com pena fico de não poder admirar o interior onde uns retábulos policromáticos dizem ser obra de grande beleza e valor artístico mas com mais pena fico de não poder entrar, ajoelhar e rezar num lugar onde tantas preces foram feitas e tantas tristezas carpidas.
Afogo as minhas penas numa boa chávena de café com leite que no Truanés me é servida com uma generosa "tostada" de pão caseiro.
Com o "almorzo" tomado cá vamos pela DP-3404 em direção ao centro de Dumbría.
Eis que chegamos à Praza do Concello. Um painel colocado junto a umas figuras recortadas diz "Esta praza é unha homenaxe a nosa historia ós homes e mulleres que no seu camiñar por estas terras, forxaron o noso futuro". E assina o alcaide de Dumbría. Quem terão sido estes "homes e mulleres"? Questiono-me, recordando a hipótese sugerida por Morán que, associando a origem celta do topónimo (Dumbría = "dum" + "briga" = "altura fortificada como cidadela de refúgio") à "Historia de Galicia" de Benito Vicetto (1865), coloca em Dumbría uma suposta batalha entre os clãs galaicos de Noerio e Céltigo. Li o Tomo I da "Historia de Galicia" onde Vicetto, a meu ver, apresenta como verdades históricas uma série de lendas e ficções, e a suposta e lendária batalha não chegou a acontecer porque as bravas mulheres celtas, com Celt à cabeça, se interpuseram entre as hostes, chamando os homens à razão.
E é distraindo a mente com lendas celtas e as origens da Galiza e Lusitânia que aqui vou já fora de Dumbría. O GPS avisa-me que me estou a desviar do trilho mas não é verdade, trata-se apenas de um novo desvio que permite que passemos por baixo de um viaduto e não corramos o risco de atravessar a AC-552. Uma nova ponte em madeira permitiu-nos passar sobre o Rio do Fragoso e cá vamos os dois entretidos conversando, sem outros peregrinos à vista, entre pinheiros e eucaliptos por caminho antigo de terra e, por vezes, ladeado de velhos muros de pedra, que leva em direção a Trasufre. Há algo que li sobre esta povoação que não recordo. A sinalização jacobea desvia-nos por fora da povoação. Chegamos a um terreiro com um cruzeiro no meio. Há uma gambiarra estendida que sugere ter havido ou ir haver um arraial festivo. Passa por nós um casal de peregrinos cuja imagem diferenciada nos chama a atenção. Falamos agora sobre a diversidade tão rica das gentes que peregrinam pelos Caminhos de Santiago. Andando vamos conversando sobre a riqueza de culturas, gerações e nacionalidades que temos encontrado. Para trás ficou já Trasufre e lembramo-nos agora que ficou por visitar a igreja e a Fonte da "Virxe do Espiño" que estava mesmo ali naquele terreiro com sinais de festa onde parámos e o casal de peregrinos diferenciados nos atraiu a atenção. E eu que queria tirar a prova do "milagre" do desaparecimento das verrugas... eu explico: diz-se que quem na Fonte da Virxe um lenço molha, com ele lava as verrugas e depois põe o lenço a secar sobre os espinhos, que por ali existem, dos incómodos apêndices se livra para sempre. Desviou-se a atenção para o "diferente" momentâneo, perdendo-se a oportunidade do enriquecimento cultural duradouro e, quem sabe, de uma experiência de cura milagrosa. Quantas oportunidades perdidas na vida porque nos distraiem coisas efémeras, insignificantes mas de excecional efeito atrativo?...
Olhemos à volta. Enchem-se os olhos do verde da geométrica campina que nos rodeia. Alivia-se o espírito na lonjura das montanhas.
Um velho hórreo de 8 patas nos recebe à entrada de Senande. Os bancos de pedra ao longo do passeio convidam ao descanso dos peregrinos. Atravessamos o povoado sem que mais do que vimos já, nos mostre Senande. Continuamos.
Tão perto de A Grixa está o Cruceiro da Cancela. Mais que o seu divino significado, nossa atenção desperta o velho e desgastado aspeto. Com dificuldade adivinhamos uma "pietá" oposta ao "Crucificado" que apenas um dos braços já tem. Na casa atrás, o mestre anão olha sorridente apoiado no martelo e de lanterna na mão alumiando o tempo que o martelo da vida vai moldando nas coisas e nas gentes.
Em San Cibrán/Ciprian de Vilastose encanto-me. A aldeia apresenta um conjunto significativo de casas de pedra bem recuperadas. Numa praça de lages de argila muito asseada um típico cruzeiro galego bem conservado; à esquerda a Igrexa de San Ciprian, arquitetura barroco rural, de porta fechada que não nos permite o acesso, é pena; à direita, algo invulgar, está o campanário, separado da igreja, ali em cima numa pequena elevação granítica. Dois sinos de badalos presos nas cordas abandonadas à vontade de quem as puxe. Vontade não me falta mas fico tolhido pelas consequências e respeito por quem confia. E, em tudo pensando, continuamos caminhando. Logo logo encontramos mais um quadro de grande beleza: os coelhos de madeira brincam na relva; uma cestinha de vime repousa num banco de pedra. Dentro dela há algo envolvido num pano cuidado. Estará esquecido?... será um convite ao peregrino que passa para que se sirva do conteúdo?... penso que a primeira é razão certa e continuo. Ali um tronco escavado canaliza um fio de água corrente para dentro de uma panela de ferro rodeada de verdura e coloridas flores. Os velhos hórreos observam quem passa e não guardam o grão de outrora. Gentes não vimos, porquê?...
Com os "quadros" rurais e cristãos de Vilastose ainda na memória, temos vindo saboreando o silêncio dos campos no vale e dos bosques no monte, calando dentro de nós a simplicidade de quem por lá vive.
Entramos em Quintáns perto da capela de Santo Isidro, "Ysidoro Agricola" como consta do "códice de Santo Isidro" encontrado na "Arca Mosaica" junto ao corpo incorrupto do santo. A capela, como a maioria das que vamos encontrando, está de porta fechada. É um templo em estilo barroco rural galego simples do séc XVII. Descemos pelo jardim em frente, atravessamos a AC-440 e a sede leva-nos a aliviar as mochilas das nossas costas e sentarmo-nos na esplanada do "Plaza" para a primeira "caña" do dia. Ufa!... já não era sem tempo. Olho esta "praza" e imagino a "Danza das Espadas" que, no primeiro domingo de agosto, um grupo de "mozos" baila pelas ruas de Quintáns à frente da procissão de Santo Isidro. Desconhece-se a origem desta tradição, no entanto, no site da Asociación de Gaiteiros Galegos fala-se que pode ter sido trazida de Buenos Aires por um emigrante da terra. Estas danças são bastante comuns na Galiza e em outros países europeus.
Matámos a sede e retomamos o nosso caminho pela rua à nossa frente. Entramos numa zona de casas rurais de pedra cuidadas. Um hórreo sobre um muro posa para a fotografia. Meia dúzia de gatos regalam-se ao sol indiferentes a quem passa. Admiro estes felinos que souberam tão bem domesticar-nos. Nada fazem que não seja em proveito próprio, são bem alimentados, não têm cadeias e dedicam-se, quando querem, ao seu desporto favorito: a caça. Bela vida a dos gatos.
Chegamos à Casa de Pedragás. Do cruzeiro junto ao muro de pedra da casa vemos à nossa frente Samartiño de Ozón e Vilar de Sobremonte, onde passaremos a seguir. Logo aqui perto do muro, numa tenda improvisada, uma "encaixeira" ou "palilleira" faz "encaxes de bolillos". Na nossa terra chamamos-lhe "rendilheira" e à arte "renda de bilros". Aqui são famosos os "encaxes de Camariñas", em Portugal os bilros de Peniche e Vila do Conde. As origens desta arte perderam-se no tempo mas lendas há-as em todo o lado. Aqui diz-se que uma mulher salva do naufrágio de um barco italiano ensinou às mulheres dos pescadores a arte do "encaixe de bolillos" como forma de agradecimento por a terem salvo. Em Portugal diz-se que "onde há redes há bilros" e que foi uma sereia apaixonada que as fazia para o seu pescador.
Ainda a pensar em bilros e bolillos vinha eu quando, à minha direita apareceu esta gigantesca centopeia. E aqui estou, com olhar de basbaco, apreciando este longo e velho hórreo. Pertenceu ao priorado de San Martiño de Ozón. A avaliar pelo tamanho imagino a quantidade de rendas que tinha o mosteiro. Diz-se que a fundação do mosteiro poderá ser do séc XII. A abside da igreja parece ser românica, por isso... talvez.
Passamos em frente à igreja. As modificações feitas a partir do séc XVI estão bem patentes nesta fachada que de românica nada tem. De um e outro lado impressionam os caixotões do cemitério. Apreciamos o cruzeiro e seguimos caminho. Tantos são que nos vamos tornando indiferentes as estas manifestações da fé antiga.
Subimos para Vilar de Sobremonte. Cá de cima olhamos o verde vale e o antigo mosteiro. Um cavalo pasta mansamente indiferente a tudo isto. O que se repete cansa. Nós subimos dando indiferentes e cansadas olhadas aos hórreos e casas rurais antigas. Não há gentes pelas ruas. Olho de novo a paisagem. É tão bela! Volto a sorrir e enfrento a ladeira mais leve.
Subimos, passámos bosques, passámos imagens já passadas em nosso espírito, conversámos sobre temas de longe e de perto, trocámos sentimentos do caminho e, agora aqui a descer já, extasiamos. O mar lá ao fundo, na baía azul, entra em nossos olhos e vai até à alma fundindo azul celeste com azul marinho. Somos da água e o sal corre-nos nas veias, por isso nos alegra tanto o coração esta vista oceânica.
Entramos em Merexo e caminhamos em direção ao mar. Do outro lado da ria a povoação que lhe deu nome: Camariñas. Sem perguntar sei que este nome só pode estar associado à Corema Album, vulgarmente chamada camarinha ou camarinheira, que só existe na costa atlântica da Península Ibérica e na Aquitânia. É agora o tempo de darem fruto... olho à volta mas por aqui as não vejo, que pena. Imagino o sabor agridoce das sumarentas e albas bolinhas e fico com água na boca.
Seguimos por asfalto entre altos eucaliptos e pinheiros. Por entre os troncos vamos vendo o mar lá em baixo. Para lá da baía azul vêem-se cabos e cabedelos. Aquele que a ausência de árvores nos deixa ver agora acho que é a Ponta de Borreiros. E entramos em Os Muíños. O topónimo decerto que não engana. Habituados que estamos a olhar para os montes à espera de encontrar os ancestrais engenhos eólicos o fizemos hoje também. Não há moinhos de vento. Pensamos: talvez os tenha havido em tempos remotos. Passamos sobre a ponte do Río Negro e o cantar da água lá em baixo foi centelha no nosso pensar. Pois, moinhos d'água. Pesquiso e... cá está: dezassete são os "muíños" restaurados na "senda do Río Negro" desde aqui até à foz na "Praia da Area Maior" que é de facto a maior na enseada de Merexo.
Saímos de Os Muíños e já ao longe avistamos Moraime e as torres da igreja do Mosteiro de San Xiao. Andando vamos e recordando o que lemos também. A riquíssima história deste mosteiro, a que estão ligados os Condes de Trava, sobretudo Pedro Froilaz e o filho Fernando Pérez de Trava, pela proteção que deu aos reis Afonso VII, filho de D. Urraca e D. Raimundo, e Fernando II, filho de Afonso II que viria a ser rei de Leão. E eis o tal Fernando (ou Fernão) Peres de Trava, que foi amante de D. Tereza, mãe do nosso primeiro rei, ligado a mais um importante monumento nas rotas jacobeas. Será então este mosteiro mais antigo que a nação portuguesa?... passa por nós um peregrino idoso, obeso, de cajado grande e tosco numa mão e um saco de plástico, onde leva seus haveres, na outra. Romeiro simples. Nós de mochilas ergonómicas, carregadas com os trecos todos e mais um, apoiados em bastões leves de alumínio... que peregrinos somos?... complicados!...
Pergunto aos velhos hórreos, ali em cima, quantos peregrinos já viram aqui passar?... se distinguissem os que peregrinam por devoção dos outros que, não sabendo por que o fazem, também vão passando, diriam: poucos!
Ali, na esquina, bate o romeiro a uma porta e pede humilde: - señora, llene mi botella de agua, por favor.
Atravessámos a AC-440, subimos ladeira acima por caminho de terra e chegamos a um terraço com um velho cruzeiro e... ali está a Igrexa de San Xiao de Moraime. Diz a Xacopedia que a fundação do mosteiro, por monges beneditinos, data do séc XI e que teve momentos áureos até à sua decadência no século XIV. Este foi o cenóbio que mais influência teve no prolongamento dos caminhos jacobeus para Muxía e Fisterra. De arquitetura românica do séc XII tem uma fachada principal onde se destaca um belo pórtico com imagens dos apóstolos. Por aqui me quedava por indeterminado tempo, admirando este antigo monumento e lendo sua história, não fora a minha companheira ter seguido caminho adiante. Tiro algumas fotos e corro atrás dela. Dou uma vista de olhos à "Fonte de Moraime" e sigo caminho. Mais tarde, quando em casa estiver, hei de revisitar todos estes lugares e revivê-los chorando os pormenores e histórias perdidas.
Chegamos ao Monte de San Roque. A porta cerrada da singela capela lá em cima tira-nos a vontade de subir. Fotografamos num instante capela e cruzeiro e seguimos.
Sempre a descer passámos Chorente. Agora parados extasiando perante a paisagem. A terra passeia-se em meandros beijando o mar e deixando-o penetrar em enseadas calmas onde, visto de longe, o azul oceânico casa com o celeste sob nuvens etéreas. No meio desta sinfonia de azuis estende-se a península de Muxía com o Monte do Corpiño coroando a cidade.
Passamos a Praia do Espiñeirído atravessando as dunas sobre o passeio tabulado que aqui foi colocado para as proteger. Já na estrada atravessamos o Rego de Figueiras que desagua na Praia da Cruz. Seguimos em direção ao porto. Lembro-me que tínhamos decidido deixar as mochilas no albergue antes de ir almoçar e peregrinar até ao Santuário da Senhora da Barca. Procuro no "maps" a localização do Albergue de Peregrinos de Muxía. Bolas! Já passámos o acesso mais curto. Mesmo assim vale a pena voltar atrás.
O caminho de terra e tojo não é a Rúa Enfesto que esperávamos mas passa-se.
Ficaram as mochilas lá em cima num albergue já quase lotado e agora, aqui sentados no Bar O Porto, saboreamos uns belos "chipirones" enquanto olhamos a Mariña.
Com o estômago confortado vamos agora completar o "camiño" até ao Santuário da Virxe da Barca.
Seguimos pela Rúa Virxe da Barca. Paramos na Oficina Municipal de Turismo para obter a merecida "Muxiana".
De novo na Rúa da Virxe da Barca olhamos os "secaderos de congrio", únicos na Europa. Hoje estão nus. Olhamos agora ao longe. Do lado de lá da baía da Ría de Camariñas, o "Cabo Vilán" com o seu alto farol, contruído depois do naufrágio do cruzador inglês "Serpent" em 10 de Novembro de 1890. 173 dos 176 tripulantes do navio morreram ali naquela noite de tormenta que não conseguimos imaginar hoje olhando este espelho azul tão calmo.
Vemos também o Monte Farelo com o Santuário da Virxe do Monte que muitos romeiros devotos atrai, sobretudo em dias de romaria. Conta-se que a fé das mulheres dos pescadores de Camariñas, em dias de tormenta, as levava a subir ao telhado da ermida para mudar a direção das telhas, convictas que fazendo isso o vento mudaria e os seus homens podiam regressar a casa. Não tiveram hipótese de fazer isso as mulheres dos jovens marinheiros do Serpent.
E eis que chegamos à Punta Xaviña, hoje mais conhecida por Punta da Barca. Diz-se que já os povos pré históricos tinham este lugar como sagrado, mas a lenda associada a Santiago e ao aparecimento da Virgem, quando o Santo penava por achar que a sua pregação por terras celtas não havia produzido frutos, éque prevalece o trás gentes aqui de todos os cantos do mundo. Veio a Santa por mar em barca de pedra apaziguar o espírito perturbado do Apóstolo e dizer-lhe que a fé que semeara produzira mais seguidores e convertidos que aquilo que ele erradamente estava a avaliar. Ficou a barca por aqui em pedaços, com o casco aqui, o timão ali, o leme acolá... terá a Virgem naufragado?... muitas lendas nasceram depois da primeira e esfregaram as mãos de contentes os monges de San Xiao de Moraime e o bispo de Compostela Diego Gelmírez que outra coisa não queriam que ver gentes peregrinar a estas terras que administravam.
Descemos aos rochedos polidos por marés, ondas e ventos. A Furna dos Namorados e a Pedra da Cabeza não atraem grande atenção. Já a Pedra de Abalar, a Pedra de Cadrís e a Pedra do Timón estão rodeadas de gente. Crentes?... tenho dúvidas. O dia solarengo leva a que a "Pedra de Abalar", mesmo que o pudesse fazer, não "abale" tanta é a gente que sobre ela está. Ninguém dali sai decerto perdoado. Também com isso, penso, ninguém se preocupa. Olhamos para o outro lado. Com esforço uma jovem passa por debaixo da Pedra de Cadrís. Procura cura para os rins ou será que já tem reumatismo?... Não saberá esta jovem que para obter a cura para o seu suposto mal terá que mais nove vezes passar pelo mesmo sítio?... A Pedra do Timón ninguém aqui presente saberá qual é. Também para quê se nada cura nem perdoa?... eu é que não sei como nem porquê mas vejo-me a explicar estas coisas em francês a um turista que ali levou a família francesa mas que afinal é espanhol, ainda que em França radicado e casado. Acabamos "ablando"... e eu engulo a minha presunção de "ensinar o Padre Nosso ao padre".
Dirijimo-nos à Catedral, afinal o objectivo suposto desta peregrinação. O templo como o vemos atualmente é barroco do séc XVIII à exceção das duas torres que foram construídas em 1958, obra de benemérito emigrante galego que das américas voltou de bolsos cheios e que levou a relegar-se para 2º plano a velha "espadana" que se encontra inserida no muro junto à "rectoral". Antes deste outros templos terão existido neste lugar. Diz-se mesmo que, muito remotamente, este terá sido um lugar de culto celta de litolatria que, cristianizada, terá dado origem às lendas associadas à tradição de uma suposta missão evangelizadora do Apóstolo São Tiago. O Santo terá chorado aqui a amargura do insucesso sentido e o consolo das suas mágoas veio em barca de pedra na pessoa da Mãe de Cristo. Como gostaria eu de saber que divindades ou benfazejas forças viam nestas pedras os antigos povos...
Em 13 de Dezembro de 2013 caiu um raio sobre a catedral provocando um incêndio que destruiu o templo. Que pecados por aqui se cometeram para desencadear a divina fúria?... Reconstruído foi a partir de 2015 e também objecto de várias polémicas. O povo revoltou-se na reabertura do templo.
Entramos pela singela porta principal. Espanto!... está vazio. Tanta gente sobre e à volta das pedras "santas" e ninguém aqui no templo?... Perco-me na meditação... não sei... acho que estou chocado. Uma pequena prece convito de que sou escutado. Saímos.
À minha frente "A Ferida". Obra de Alberto Bañuelos Fournier, homenageia os voluntários que vieram ajudar o povo galego a limpar das praias o crude que o Prestige derramou quando naufragou aqui em frente no dia 13 de Novembro de 2002.
Subimos agora ao "Monte do Corpiño" por empedrado caminho, não apenas pelo lajeado chão mas também pelos rochedos que de um e outro lado o enfeitam. Terá o monte este nome por ali se ter achado, em pré histórico monumento fúnebre, os restos mortais de um pequeno corpo.
Admirável é a paisagem que, num ângulo de 360°, daqui se avista.
Damos por completa a etapa depois de termos voltado ao Albergue onde um bom duche nos há de acariciar o corpo cansado. Gratos estamos.
Afogo as minhas penas numa boa chávena de café com leite que no Truanés me é servida com uma generosa "tostada" de pão caseiro.
Com o "almorzo" tomado cá vamos pela DP-3404 em direção ao centro de Dumbría.
Eis que chegamos à Praza do Concello. Um painel colocado junto a umas figuras recortadas diz "Esta praza é unha homenaxe a nosa historia ós homes e mulleres que no seu camiñar por estas terras, forxaron o noso futuro". E assina o alcaide de Dumbría. Quem terão sido estes "homes e mulleres"? Questiono-me, recordando a hipótese sugerida por Morán que, associando a origem celta do topónimo (Dumbría = "dum" + "briga" = "altura fortificada como cidadela de refúgio") à "Historia de Galicia" de Benito Vicetto (1865), coloca em Dumbría uma suposta batalha entre os clãs galaicos de Noerio e Céltigo. Li o Tomo I da "Historia de Galicia" onde Vicetto, a meu ver, apresenta como verdades históricas uma série de lendas e ficções, e a suposta e lendária batalha não chegou a acontecer porque as bravas mulheres celtas, com Celt à cabeça, se interpuseram entre as hostes, chamando os homens à razão.
E é distraindo a mente com lendas celtas e as origens da Galiza e Lusitânia que aqui vou já fora de Dumbría. O GPS avisa-me que me estou a desviar do trilho mas não é verdade, trata-se apenas de um novo desvio que permite que passemos por baixo de um viaduto e não corramos o risco de atravessar a AC-552. Uma nova ponte em madeira permitiu-nos passar sobre o Rio do Fragoso e cá vamos os dois entretidos conversando, sem outros peregrinos à vista, entre pinheiros e eucaliptos por caminho antigo de terra e, por vezes, ladeado de velhos muros de pedra, que leva em direção a Trasufre. Há algo que li sobre esta povoação que não recordo. A sinalização jacobea desvia-nos por fora da povoação. Chegamos a um terreiro com um cruzeiro no meio. Há uma gambiarra estendida que sugere ter havido ou ir haver um arraial festivo. Passa por nós um casal de peregrinos cuja imagem diferenciada nos chama a atenção. Falamos agora sobre a diversidade tão rica das gentes que peregrinam pelos Caminhos de Santiago. Andando vamos conversando sobre a riqueza de culturas, gerações e nacionalidades que temos encontrado. Para trás ficou já Trasufre e lembramo-nos agora que ficou por visitar a igreja e a Fonte da "Virxe do Espiño" que estava mesmo ali naquele terreiro com sinais de festa onde parámos e o casal de peregrinos diferenciados nos atraiu a atenção. E eu que queria tirar a prova do "milagre" do desaparecimento das verrugas... eu explico: diz-se que quem na Fonte da Virxe um lenço molha, com ele lava as verrugas e depois põe o lenço a secar sobre os espinhos, que por ali existem, dos incómodos apêndices se livra para sempre. Desviou-se a atenção para o "diferente" momentâneo, perdendo-se a oportunidade do enriquecimento cultural duradouro e, quem sabe, de uma experiência de cura milagrosa. Quantas oportunidades perdidas na vida porque nos distraiem coisas efémeras, insignificantes mas de excecional efeito atrativo?...
Olhemos à volta. Enchem-se os olhos do verde da geométrica campina que nos rodeia. Alivia-se o espírito na lonjura das montanhas.
Um velho hórreo de 8 patas nos recebe à entrada de Senande. Os bancos de pedra ao longo do passeio convidam ao descanso dos peregrinos. Atravessamos o povoado sem que mais do que vimos já, nos mostre Senande. Continuamos.
Tão perto de A Grixa está o Cruceiro da Cancela. Mais que o seu divino significado, nossa atenção desperta o velho e desgastado aspeto. Com dificuldade adivinhamos uma "pietá" oposta ao "Crucificado" que apenas um dos braços já tem. Na casa atrás, o mestre anão olha sorridente apoiado no martelo e de lanterna na mão alumiando o tempo que o martelo da vida vai moldando nas coisas e nas gentes.
Em San Cibrán/Ciprian de Vilastose encanto-me. A aldeia apresenta um conjunto significativo de casas de pedra bem recuperadas. Numa praça de lages de argila muito asseada um típico cruzeiro galego bem conservado; à esquerda a Igrexa de San Ciprian, arquitetura barroco rural, de porta fechada que não nos permite o acesso, é pena; à direita, algo invulgar, está o campanário, separado da igreja, ali em cima numa pequena elevação granítica. Dois sinos de badalos presos nas cordas abandonadas à vontade de quem as puxe. Vontade não me falta mas fico tolhido pelas consequências e respeito por quem confia. E, em tudo pensando, continuamos caminhando. Logo logo encontramos mais um quadro de grande beleza: os coelhos de madeira brincam na relva; uma cestinha de vime repousa num banco de pedra. Dentro dela há algo envolvido num pano cuidado. Estará esquecido?... será um convite ao peregrino que passa para que se sirva do conteúdo?... penso que a primeira é razão certa e continuo. Ali um tronco escavado canaliza um fio de água corrente para dentro de uma panela de ferro rodeada de verdura e coloridas flores. Os velhos hórreos observam quem passa e não guardam o grão de outrora. Gentes não vimos, porquê?...
Com os "quadros" rurais e cristãos de Vilastose ainda na memória, temos vindo saboreando o silêncio dos campos no vale e dos bosques no monte, calando dentro de nós a simplicidade de quem por lá vive.
Entramos em Quintáns perto da capela de Santo Isidro, "Ysidoro Agricola" como consta do "códice de Santo Isidro" encontrado na "Arca Mosaica" junto ao corpo incorrupto do santo. A capela, como a maioria das que vamos encontrando, está de porta fechada. É um templo em estilo barroco rural galego simples do séc XVII. Descemos pelo jardim em frente, atravessamos a AC-440 e a sede leva-nos a aliviar as mochilas das nossas costas e sentarmo-nos na esplanada do "Plaza" para a primeira "caña" do dia. Ufa!... já não era sem tempo. Olho esta "praza" e imagino a "Danza das Espadas" que, no primeiro domingo de agosto, um grupo de "mozos" baila pelas ruas de Quintáns à frente da procissão de Santo Isidro. Desconhece-se a origem desta tradição, no entanto, no site da Asociación de Gaiteiros Galegos fala-se que pode ter sido trazida de Buenos Aires por um emigrante da terra. Estas danças são bastante comuns na Galiza e em outros países europeus.
Matámos a sede e retomamos o nosso caminho pela rua à nossa frente. Entramos numa zona de casas rurais de pedra cuidadas. Um hórreo sobre um muro posa para a fotografia. Meia dúzia de gatos regalam-se ao sol indiferentes a quem passa. Admiro estes felinos que souberam tão bem domesticar-nos. Nada fazem que não seja em proveito próprio, são bem alimentados, não têm cadeias e dedicam-se, quando querem, ao seu desporto favorito: a caça. Bela vida a dos gatos.
Chegamos à Casa de Pedragás. Do cruzeiro junto ao muro de pedra da casa vemos à nossa frente Samartiño de Ozón e Vilar de Sobremonte, onde passaremos a seguir. Logo aqui perto do muro, numa tenda improvisada, uma "encaixeira" ou "palilleira" faz "encaxes de bolillos". Na nossa terra chamamos-lhe "rendilheira" e à arte "renda de bilros". Aqui são famosos os "encaxes de Camariñas", em Portugal os bilros de Peniche e Vila do Conde. As origens desta arte perderam-se no tempo mas lendas há-as em todo o lado. Aqui diz-se que uma mulher salva do naufrágio de um barco italiano ensinou às mulheres dos pescadores a arte do "encaixe de bolillos" como forma de agradecimento por a terem salvo. Em Portugal diz-se que "onde há redes há bilros" e que foi uma sereia apaixonada que as fazia para o seu pescador.
Ainda a pensar em bilros e bolillos vinha eu quando, à minha direita apareceu esta gigantesca centopeia. E aqui estou, com olhar de basbaco, apreciando este longo e velho hórreo. Pertenceu ao priorado de San Martiño de Ozón. A avaliar pelo tamanho imagino a quantidade de rendas que tinha o mosteiro. Diz-se que a fundação do mosteiro poderá ser do séc XII. A abside da igreja parece ser românica, por isso... talvez.
Passamos em frente à igreja. As modificações feitas a partir do séc XVI estão bem patentes nesta fachada que de românica nada tem. De um e outro lado impressionam os caixotões do cemitério. Apreciamos o cruzeiro e seguimos caminho. Tantos são que nos vamos tornando indiferentes as estas manifestações da fé antiga.
Subimos para Vilar de Sobremonte. Cá de cima olhamos o verde vale e o antigo mosteiro. Um cavalo pasta mansamente indiferente a tudo isto. O que se repete cansa. Nós subimos dando indiferentes e cansadas olhadas aos hórreos e casas rurais antigas. Não há gentes pelas ruas. Olho de novo a paisagem. É tão bela! Volto a sorrir e enfrento a ladeira mais leve.
Subimos, passámos bosques, passámos imagens já passadas em nosso espírito, conversámos sobre temas de longe e de perto, trocámos sentimentos do caminho e, agora aqui a descer já, extasiamos. O mar lá ao fundo, na baía azul, entra em nossos olhos e vai até à alma fundindo azul celeste com azul marinho. Somos da água e o sal corre-nos nas veias, por isso nos alegra tanto o coração esta vista oceânica.
Entramos em Merexo e caminhamos em direção ao mar. Do outro lado da ria a povoação que lhe deu nome: Camariñas. Sem perguntar sei que este nome só pode estar associado à Corema Album, vulgarmente chamada camarinha ou camarinheira, que só existe na costa atlântica da Península Ibérica e na Aquitânia. É agora o tempo de darem fruto... olho à volta mas por aqui as não vejo, que pena. Imagino o sabor agridoce das sumarentas e albas bolinhas e fico com água na boca.
Seguimos por asfalto entre altos eucaliptos e pinheiros. Por entre os troncos vamos vendo o mar lá em baixo. Para lá da baía azul vêem-se cabos e cabedelos. Aquele que a ausência de árvores nos deixa ver agora acho que é a Ponta de Borreiros. E entramos em Os Muíños. O topónimo decerto que não engana. Habituados que estamos a olhar para os montes à espera de encontrar os ancestrais engenhos eólicos o fizemos hoje também. Não há moinhos de vento. Pensamos: talvez os tenha havido em tempos remotos. Passamos sobre a ponte do Río Negro e o cantar da água lá em baixo foi centelha no nosso pensar. Pois, moinhos d'água. Pesquiso e... cá está: dezassete são os "muíños" restaurados na "senda do Río Negro" desde aqui até à foz na "Praia da Area Maior" que é de facto a maior na enseada de Merexo.
Saímos de Os Muíños e já ao longe avistamos Moraime e as torres da igreja do Mosteiro de San Xiao. Andando vamos e recordando o que lemos também. A riquíssima história deste mosteiro, a que estão ligados os Condes de Trava, sobretudo Pedro Froilaz e o filho Fernando Pérez de Trava, pela proteção que deu aos reis Afonso VII, filho de D. Urraca e D. Raimundo, e Fernando II, filho de Afonso II que viria a ser rei de Leão. E eis o tal Fernando (ou Fernão) Peres de Trava, que foi amante de D. Tereza, mãe do nosso primeiro rei, ligado a mais um importante monumento nas rotas jacobeas. Será então este mosteiro mais antigo que a nação portuguesa?... passa por nós um peregrino idoso, obeso, de cajado grande e tosco numa mão e um saco de plástico, onde leva seus haveres, na outra. Romeiro simples. Nós de mochilas ergonómicas, carregadas com os trecos todos e mais um, apoiados em bastões leves de alumínio... que peregrinos somos?... complicados!...
Pergunto aos velhos hórreos, ali em cima, quantos peregrinos já viram aqui passar?... se distinguissem os que peregrinam por devoção dos outros que, não sabendo por que o fazem, também vão passando, diriam: poucos!
Ali, na esquina, bate o romeiro a uma porta e pede humilde: - señora, llene mi botella de agua, por favor.
Atravessámos a AC-440, subimos ladeira acima por caminho de terra e chegamos a um terraço com um velho cruzeiro e... ali está a Igrexa de San Xiao de Moraime. Diz a Xacopedia que a fundação do mosteiro, por monges beneditinos, data do séc XI e que teve momentos áureos até à sua decadência no século XIV. Este foi o cenóbio que mais influência teve no prolongamento dos caminhos jacobeus para Muxía e Fisterra. De arquitetura românica do séc XII tem uma fachada principal onde se destaca um belo pórtico com imagens dos apóstolos. Por aqui me quedava por indeterminado tempo, admirando este antigo monumento e lendo sua história, não fora a minha companheira ter seguido caminho adiante. Tiro algumas fotos e corro atrás dela. Dou uma vista de olhos à "Fonte de Moraime" e sigo caminho. Mais tarde, quando em casa estiver, hei de revisitar todos estes lugares e revivê-los chorando os pormenores e histórias perdidas.
Chegamos ao Monte de San Roque. A porta cerrada da singela capela lá em cima tira-nos a vontade de subir. Fotografamos num instante capela e cruzeiro e seguimos.
Sempre a descer passámos Chorente. Agora parados extasiando perante a paisagem. A terra passeia-se em meandros beijando o mar e deixando-o penetrar em enseadas calmas onde, visto de longe, o azul oceânico casa com o celeste sob nuvens etéreas. No meio desta sinfonia de azuis estende-se a península de Muxía com o Monte do Corpiño coroando a cidade.
Passamos a Praia do Espiñeirído atravessando as dunas sobre o passeio tabulado que aqui foi colocado para as proteger. Já na estrada atravessamos o Rego de Figueiras que desagua na Praia da Cruz. Seguimos em direção ao porto. Lembro-me que tínhamos decidido deixar as mochilas no albergue antes de ir almoçar e peregrinar até ao Santuário da Senhora da Barca. Procuro no "maps" a localização do Albergue de Peregrinos de Muxía. Bolas! Já passámos o acesso mais curto. Mesmo assim vale a pena voltar atrás.
O caminho de terra e tojo não é a Rúa Enfesto que esperávamos mas passa-se.
Ficaram as mochilas lá em cima num albergue já quase lotado e agora, aqui sentados no Bar O Porto, saboreamos uns belos "chipirones" enquanto olhamos a Mariña.
Com o estômago confortado vamos agora completar o "camiño" até ao Santuário da Virxe da Barca.
Seguimos pela Rúa Virxe da Barca. Paramos na Oficina Municipal de Turismo para obter a merecida "Muxiana".
De novo na Rúa da Virxe da Barca olhamos os "secaderos de congrio", únicos na Europa. Hoje estão nus. Olhamos agora ao longe. Do lado de lá da baía da Ría de Camariñas, o "Cabo Vilán" com o seu alto farol, contruído depois do naufrágio do cruzador inglês "Serpent" em 10 de Novembro de 1890. 173 dos 176 tripulantes do navio morreram ali naquela noite de tormenta que não conseguimos imaginar hoje olhando este espelho azul tão calmo.
Vemos também o Monte Farelo com o Santuário da Virxe do Monte que muitos romeiros devotos atrai, sobretudo em dias de romaria. Conta-se que a fé das mulheres dos pescadores de Camariñas, em dias de tormenta, as levava a subir ao telhado da ermida para mudar a direção das telhas, convictas que fazendo isso o vento mudaria e os seus homens podiam regressar a casa. Não tiveram hipótese de fazer isso as mulheres dos jovens marinheiros do Serpent.
E eis que chegamos à Punta Xaviña, hoje mais conhecida por Punta da Barca. Diz-se que já os povos pré históricos tinham este lugar como sagrado, mas a lenda associada a Santiago e ao aparecimento da Virgem, quando o Santo penava por achar que a sua pregação por terras celtas não havia produzido frutos, éque prevalece o trás gentes aqui de todos os cantos do mundo. Veio a Santa por mar em barca de pedra apaziguar o espírito perturbado do Apóstolo e dizer-lhe que a fé que semeara produzira mais seguidores e convertidos que aquilo que ele erradamente estava a avaliar. Ficou a barca por aqui em pedaços, com o casco aqui, o timão ali, o leme acolá... terá a Virgem naufragado?... muitas lendas nasceram depois da primeira e esfregaram as mãos de contentes os monges de San Xiao de Moraime e o bispo de Compostela Diego Gelmírez que outra coisa não queriam que ver gentes peregrinar a estas terras que administravam.
Descemos aos rochedos polidos por marés, ondas e ventos. A Furna dos Namorados e a Pedra da Cabeza não atraem grande atenção. Já a Pedra de Abalar, a Pedra de Cadrís e a Pedra do Timón estão rodeadas de gente. Crentes?... tenho dúvidas. O dia solarengo leva a que a "Pedra de Abalar", mesmo que o pudesse fazer, não "abale" tanta é a gente que sobre ela está. Ninguém dali sai decerto perdoado. Também com isso, penso, ninguém se preocupa. Olhamos para o outro lado. Com esforço uma jovem passa por debaixo da Pedra de Cadrís. Procura cura para os rins ou será que já tem reumatismo?... Não saberá esta jovem que para obter a cura para o seu suposto mal terá que mais nove vezes passar pelo mesmo sítio?... A Pedra do Timón ninguém aqui presente saberá qual é. Também para quê se nada cura nem perdoa?... eu é que não sei como nem porquê mas vejo-me a explicar estas coisas em francês a um turista que ali levou a família francesa mas que afinal é espanhol, ainda que em França radicado e casado. Acabamos "ablando"... e eu engulo a minha presunção de "ensinar o Padre Nosso ao padre".
Dirijimo-nos à Catedral, afinal o objectivo suposto desta peregrinação. O templo como o vemos atualmente é barroco do séc XVIII à exceção das duas torres que foram construídas em 1958, obra de benemérito emigrante galego que das américas voltou de bolsos cheios e que levou a relegar-se para 2º plano a velha "espadana" que se encontra inserida no muro junto à "rectoral". Antes deste outros templos terão existido neste lugar. Diz-se mesmo que, muito remotamente, este terá sido um lugar de culto celta de litolatria que, cristianizada, terá dado origem às lendas associadas à tradição de uma suposta missão evangelizadora do Apóstolo São Tiago. O Santo terá chorado aqui a amargura do insucesso sentido e o consolo das suas mágoas veio em barca de pedra na pessoa da Mãe de Cristo. Como gostaria eu de saber que divindades ou benfazejas forças viam nestas pedras os antigos povos...
Em 13 de Dezembro de 2013 caiu um raio sobre a catedral provocando um incêndio que destruiu o templo. Que pecados por aqui se cometeram para desencadear a divina fúria?... Reconstruído foi a partir de 2015 e também objecto de várias polémicas. O povo revoltou-se na reabertura do templo.
Entramos pela singela porta principal. Espanto!... está vazio. Tanta gente sobre e à volta das pedras "santas" e ninguém aqui no templo?... Perco-me na meditação... não sei... acho que estou chocado. Uma pequena prece convito de que sou escutado. Saímos.
À minha frente "A Ferida". Obra de Alberto Bañuelos Fournier, homenageia os voluntários que vieram ajudar o povo galego a limpar das praias o crude que o Prestige derramou quando naufragou aqui em frente no dia 13 de Novembro de 2002.
Subimos agora ao "Monte do Corpiño" por empedrado caminho, não apenas pelo lajeado chão mas também pelos rochedos que de um e outro lado o enfeitam. Terá o monte este nome por ali se ter achado, em pré histórico monumento fúnebre, os restos mortais de um pequeno corpo.
Admirável é a paisagem que, num ângulo de 360°, daqui se avista.
Damos por completa a etapa depois de termos voltado ao Albergue onde um bom duche nos há de acariciar o corpo cansado. Gratos estamos.
Waypoints
Photo
583 ft
A água corre pelo tronco para a panela de ferro, uma cesta repousa no banco, os coelhos de madeira no jardim e os hórreos...
Photo
238 ft
Seca de congros e, do outro lado da ria, o cabo Vilán e a igrexa da Virxe do Monte sobre o Monte Farelo
Photo
204 ft
Santuário da Virxe da Barca e as Pedras Sagradas (Pedra de Abalar, Pedra de Cadrís e Pedra de Timón)
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